ANTONIO MACHADO
Com os últimos três presidentes da mesma coalizão governante desde 2003 denunciados, inclusive o atual, um deles condenado a quase 10 anos de prisão, já seria bizarro que coubesse ao PMDB, sócio atleta da trinca, desfazer o que fez o PT, “dono” da lambança de dimensões amazônicas. Tal como a JBS, mais vistoso negócio da era dos campeões no tapetão, tipo a escolha do Brasil para sediar as Olimpíadas.
A história é conhecida e vem tendo as suas entranhas expostas, mas os elos entre os partidos, os personagens e os patrocinadores tanto de fora quanto de dentro do sistema da administração pública não são tão claros nem conhecidos. Ou o processo não teria chegado ao porte que chegou. A bem da verdade, o enraizamento da influência política deletéria teve amplo apoio, ou Lula e Dilma não seriam eleitos nem reeleitos, arrastando o PMDB de Michel Temer e outros agregados.
Essa é a parte mais difícil de resolver, já que muitos que apoiam hoje as reformas ainda ontem batiam palmas para crédito subsidiado (às custas do endividamento do Tesouro Nacional), a desoneração da folha (arrombando o caixa do INSS) e o corte voluntarista da tarifa da eletricidade (que tirou o setor elétrico da tomada).
Também são os que pedem reforma tributária que reduza impostos. Do mesmo modo, o procurador que investiga os corruptos e o juiz que os condena não se avexam em violar a Constituição, recebendo acima do teto legal. Estamos como a família que recebe um hospede grosseiro.
“Ou entendemos o que arrasou a economia ou nos condenamos a repetir e repetir os erros de sempre”
Ele fuma na sala e bate cinza no chão, usa o banheiro como quem se alivia na rua, recebe uma gentileza e não agradece. O burocrata tem privilégios de barão — emprego estável, pensão integral, reajustada como se estivesse na ativa etc. — e vive pedindo mais. Quem reclama é injuriado e acusado de privatista e de querer sucatear o Estado.
Não surpreende que a reforma da previdência não tenha apoio na rua e muitos acreditem que se destine a dar dinheiro para banqueiros, e não bem para garantir a aposentadoria de quem nem tem idade para se aposentar, mas para não chegarmos a 2030 (e até antes) destinando a totalidade dos impostos apenas para atender o custeio do INSS e dos regimes previdenciários próprios dos funcionários. E o governo? Defende a reforma dizendo que o INSS está bichado, mas pouco fala sobre a iniquidade e a insolvência do regime público.
Três andares mambembes
Ou bem entendemos o que arrasou a economia ou estaremos condenados (como o personagem do cultuado filme Feitiço do Tempo) a repetir e repetir tudo outra vez. A economia chega ao fim de linha com Dilma, mas ela começa a regredir desde o ocaso do modelo de financiamento forçado do regime militar e da omissão dos constituintes de 1987.
A Constituição foi pródiga ao criar direitos, aliás, legítimos, e imprudente ao modelar uma Federação de três andares com funções que se sobrepõem (saúde, educação, câmaras, justiça, por exemplo) sem a atenção ao custo dessa estrutura institucional, sobrecarregada pela incorporação ao regime estatutário dos servidores celetistas.
O mais grave foi o descaso com o crescimento movido a investimento (ao contrário do que se fez no pós-guerra na Europa e nos Estados Unidos e, depois dos anos 1970, na Ásia). O que há de infraestrutura e manufatura no país data dos anos 1970 e 1980. Os projetos mais recentes, em boa parte, são os que compõem a narrativa de fracassos da Lava Jato.
O caos a céu aberto
O país, portanto, vinha num viés de decadência antes da chegada do PT, Lula & Cia. Eles o agravaram, ao jogar fora o projeto de zerar o déficit orçamentário, incluída a conta de juros e não só a que a exclui, chamada de resultado primário, em 2005. Daí em diante, com a ilusão da riqueza das commodities, folgaram com o orçamento, mas não com o investimento. Pior: as obras que lançaram deram n’água.
Essa é a questão estratégica que temos de considerar para tirar o país da crise, o que significa não aceitar taxas de crescimento de 2% a 3% anuais. É pouco para evitar a regressão social, apesar de até isso hoje parecer impossível, e ainda dependemos de uma enorme e nunca alcançada eficiência da gestão pública. A alternativa está na situação do Rio — lindo só na foto do Cristo de braços abertos.
Waze da rota mais curta
O que seriam decisões estratégicas? Para começar, atar a reforma do gasto público à premissa do que é prioritário ao Estado fazer. Conceber a retomada do investimento atendendo o que não dá para adiar, como saneamento e estradas, e no que o Waze do progresso no mundo está a indicar como rota mais curta.
Não é, por exemplo, ter indústria de equipamentos para atender ao pré-sal, mas de explorá-lo com rapidez. Por quê? Porque até o normalmente comedido FMI, o Fundo Monetário Internacional, avisa por meio de estudos (dois só este ano) que a era do petróleo está no fim. “É só questão de tempo”, lê-se neles.
A disseminação dos veículos elétricos na China, EUA e Europa e a queda do custo da energia eólica e solar já retraem a demanda de petróleo. Os futuros governantes precisarão ter visão. E coragem.
O que esperar até 2019
As três etapas à frente, antes que o país possa ingressar, ou não, num caminho virtuoso, passam pela manutenção de um clima de ordem relativa até as eleições, o que implica deixar as coisas meio como estão, seguida de um tour de force para modelar o programa das 48 horas iniciais do novo governo e, enfim, o mais difícil: governar.
A macroeconomia estará em situação melhor que agora, mas com a sua parte fiscal ainda em coma. O teto do gasto público, programa feito para durar 20 anos, já está arqueado e precisará considerar o que nem foi tangenciado – tipo a desindexação de papéis referenciados à Selic, consolidação de passivos públicos, incluindo o dos estados, revisão da estabilidade de servidores, pôr em pauta o modelo único de polícia, enxugar a representação parlamentar, coisas assim. Não se desinterdita o progresso com justiça social só cuidando de ajuste fiscal, inflação, juros, câmbio. Sinto dizer: isso é pouco.
Brasília, 06h15min