“Todos terão de dar sua cota de sacrifício”, diz Meirelles

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POR PAULO SILVA PINTO, ROSANA HESSEL E VICENTE NUNES

Henrique Meirelles está completando uma semana no comando do Ministério da Fazenda sem ter em mãos o tamanho do rombo das contas públicas deste ano. Ele promete apresentar hoje o relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas, mas a tão esperada meta fiscal só sairá na segunda-feira. “Temos uma situação grave, que exige medidas duras e importantes”, diz. Desde que tomou posse, o ministro praticamente não dorme. Sabe o tamanho da responsabilidade que assumiu ao ingressar no governo de Michel Temer, ainda provisório. Por isso, é enfático quando fala do risco de fracassar nas missões de tirar o país da recessão, conter o desemprego e arrumar as contas públicas. “Estamos com pressa, mas não podemos errar”, afirma.

Na avaliação de Meirelles, a situação na qual o Brasil se encontra atualmente é pior do que a que encontrou em 2003, quando assumiu a Presidência do Banco Central do governo Lula. Diante da emergência, ele alerta: não haverá escapatória. “Todos têm que dar sua cota de sacrifício.” Isso passa pela reforma da Previdência Social, que vai impor idade mínima para aposentadoria; pelo Congresso, que precisa aprovar todas as medidas do ajuste fiscal; pelo Judiciário; pelos servidores públicos. “Vamos dar todas as informações à sociedade, para que decida. O povo é sábio, muito mais do que os dirigentes pensam, desde que tenha acesso a todos os dados”, acrescenta.

Apesar da cobrança dos investidores por medidas concretas para tirar o Brasil do atoleiro, o ministro diz que tudo será anunciado na hora certa, a fim de evitar o vaivém de decisões. Para o nervosismo do mercado, afirma ter a receita: um pouco de ansiolítico. Segundo ele, o formulador de políticas não tem que atender a essa ansiedade. “Não queremos que haja mais frustrações”, frisa. Leia, a seguir, os principais trechos da primeira entrevista exclusiva que Meirelles concedeu a um jornal impresso desde que foi nomeado.

Foto de Rodrigo Nunes/Esp/CB/D.A Press

Há muitas expectativas dos agentes econômicos em relação ao que este governo vai entregar. Também havia isso quando Joaquim Levy chegou à Fazenda. Há risco de uma nova frustração?
A minha expectativa é de que o governo cumpra o que é esperado pela população. É um governo novo, que tem um compromisso com a agenda de reformas necessária no momento. Colocou isso de forma clara, por meio de documentos publicados antes. Minhas posições são muito conhecidas a respeito de tudo isso. Antes de virmos para o governo, o presidente Michel Temer e eu discutimos profundamente essas questões. Temos segurança grande de que teremos condições de formular medidas em primeiro lugar e de negociá-las em segundo. É um governo que tem participação muito grande do  Congresso na sua entrada. Então, tem grande capacidade de negociação. Com o governo unido, sem dissonâncias, acredito que temos as condições necessárias para cumprir os objetivos.

O que é o projeto de governo que o senhor menciona? É resgatar o país da recessão?
Tem como objetivo exatamente tirar o país da recessão. E, mais do que isso, criar condições para o crescimento sustentável. Em primeiro lugar, devemos adotar medidas de curto prazo que elevem a confiança e, em consequência, elevem o investimento, a contratação, as vendas e a concessão de crédito, de maneira que a economia volte a crescer a curto prazo. É preciso também que as medidas de ajuste fiscal demonstrem que a trajetória da dívida pública vai se estabilizar, em algum momento, como percentual do Produto Interno Bruto (PIB) e depois começar a cair gradualmente, não como expectativa, meramente, mas com medidas aprovadas no Congresso. Outro ponto é criar  uma agenda pró-crescimento, melhorando ambiente de negócios, custo Brasil, produtividade, investimentos em infraestrutra, tudo isso. É um projeto em andamento.

Quando haverá reversão na trajetória de queda do PIB?
Um erro cometido várias vezes por governantes é que são muito otimistas em suas projeções. Projeções que depois não se realizam são negativas porque começam a criar frustração, mesmo que tudo esteja sendo feito certo. Eu sou muito cuidadoso. Não quero fixar data, prazo, exatamente porque existe uma série de coisas em andamento.

O que precisa ser feito?
Estamos formulando as propostas. A primeira coisa que estamos fazendo é dimensionar o tamanho do deficit público exatamente para este ano. Então, concluindo isso, vamos projetar (o deficit) e, em seguida, a formatação das medidas. Depois virão a discussão e o processo de votação no Congresso. A velocidade depende de negociação com a sociedade e com o Congresso. Isso faz parte da democracia, tem que ser assim.

Como foi sua experiência no início do governo Lula?
Em 2003, não tínhamos previsão de quando se daria a recuperação. Quando ela começou, eu me lembro muito bem. Fiz uma palestra na segunda semana de julho, em São Paulo. Eu estava falando com o mercado e já tinha alguns dados, os indicadores antecedentes, e disse que, naquele momento, o Brasil já tinha começado a crescer. Mas estavam sendo divulgados todos os números de recessão do primeiro e do segundo trimestres. Eu encontrei um clima de ceticismo. O que é isso? O Henrique Meirelles sempre foi um homem prudente e de repente ficou otimista? Não. Eu tinha dados concretos.

Mas a situação hoje é pior que em 2003, não é?
É uma situação complexa. Tem coisas que são piores, de fato, como a situação fiscal. Muitas mudanças — não todas — dependem hoje de alterações legais. Várias são administrativas, algumas podem vir a necessitar de alteração constitucional. São mudanças estruturais. Naquela época, houve a questão da Previdência do servidor público. Houve algumas questões que envolviam o Congresso, como a reforma do crédito. Mas a parte mais importante foi a estabilização da economia, medidas que eram possíveis de serem tomadas naquele momento por decisões do Executivo: do Banco Central (BC) e da Fazenda. Mas tínhamos, naquela época, uma questão muito grave de reservas internacionais, que eram menores que a dívida de curto prazo com órgãos multilaterais.

O Brasil estava de joelhos, não?
Estava. Tínhamos reservas abaixo de US$ 30 bilhões e a dívida com o Fundo Monetária Internacional (FMI) de curto prazo era de US$ 30 bilhões, mais o Clube de Paris. Hoje, não. As reservas foram construídas naquela época. Elas estão aí. Temos um mercado de consumo grande, por outro lado, que foi uma conquista daquela fase. A classe média saiu de 68 milhões de pessoas para 120 milhões nesse período. Mas, agora, a situação fiscal, a situação da falta de confiança para investir é gravíssima.

Entre os seus assessores se diz que as contas públicas hoje estão em uma situação de descalabro. É isso mesmo?
Eu diria que é uma situação grave, que exige medidas duras e medidas importantes. Já iniciamos esse trabalho, de explicar à sociedade. Já começou a diminuição de ministérios. Depois, virá a extinção de cargos comissionados. E por aí vai. O governo começa a cortar na carne exatamente para dar a demonstração à sociedade. Nós sabemos que o povo é sábio — muito mais sábio do que alguns dirigentes pensam —, desde que tenha as informações corretas.

O momento atual exige uma cota de sacrifício de todos?
Sim. Todos temos que dar a nossa parte. Todos têm que dar a sua cota de sacrifício.

Uma das críticas ao governo anterior é que até as projeções de PIB e receita eram muito mais otimistas que as do mercado. Pode-se esperar previsão mais realista de receita e de despesas?
Sim. E é exatamente nosso maior trabalho nesta semana: fazer previsões realistas de despesa e de receita. Vou dar um exemplo, uma discussão que estou tendo com a Receita, com bancos:  quanto se vai arrecadar com a repatriação de capital no exterior? Nós só vamos saber disso em outubro, mas temos que fazer uma projeção agora, colocar no Orçamento. Temos que dizer, de boa-fé, com seriedade, que está sujeita a erro.

O rombo que vocês vão mostrar nas contas públicas também está sujeito a erros?
Sempre está. Qualquer estimativa está sujeita a erro. Quais são exatamente a quantidade, o volume de arrecadação, o PIB e outras coisas.

O senhor está falando da necessidade de capitalização das estatais, como Petrobras e Eletrobras?
Não sei. Vamos aguardar. A Petrobras, por exemplo, fez uma emissão. É uma boa notícia. Mas vamos ver qual vai ser a consequência da situação da Eletrobras. Qualquer estimativa é assim. Normalmente, a boa estimativa termina por se aproximar da realidade. O Focus, do BC, publica as previsões dos Top 5, os que mais acerta. Estão sempre mudando. E todo mundo trabalha sério para acertar.

Hoje o rombo está em quanto? Já se falou em R$ 120 bilhões, R$ 150 bilhões, R$ 160 bilhões. A cada dia aumenta.
Até segunda-feira nós vamos ver isso.

O governo vai manter os abatimentos que o governo anterior costumava empregar? Isso é considerado no mercado como uma gambiarra. Não atrapalha?
Nós vamos olhar isso até segunda-feira. Estamos levantando números. E depois sentaremos para definir.

Quanto à Previdência, as centrais sindicais dizem que há um ralo muito grande, que o governo não controla. Uma política para reverter isso poderia ser apresentada como contrapartida à reforma?
Essa é uma avaliação que muitos têm. O Marcelo Caetano, que foi nomeado secretário da Previdência, está chegando amanhã (hoje). Ainda em viagem, já está organizando diversos grupos de trabalho. No Tesouro, no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no Congresso, entre analistas independentes, existem muitos estudos. Vamos trabalhar intensamente nisso a partir do fim de semana. Existem questões demográficas e previdenciárias que são comuns a muitos países ricos. A Alemanha colocou 67 anos de idade mínima. Hoje, o Brasil tem uma expectativa de vida  superior a isso. Melhorou muito. Não se pode ter uma regra que seja baseada no que havia décadas atrás.

A vinculação de benefícios previdenciários ao salário mínimo e o reajuste do piso pela variação do PIB são problemas?
Esse é um dos aspectos que vão ser discutidos. O grupo de trabalho com as centrais se reuniu pela primeira vez. Na reforma da Previdência, tem de haver um debate com a sociedade e um debate com o Congresso.

Mas, se não houver um consenso, o governo vai levar o projeto adiante, não vai?
Sim, vai levar. Mas espera-se que tenha um consenso, porque as pessoas entendem que, mais importante até do que nós assegurarmos regras atuais, é nós assegurarmos que o trabalhador vai receber a aposentadoria daqui a 10, 20, 30 anos. Em diversos países, a Previdência não conseguiu cumprir suas obrigações.

As aposentadorias do setor público custam muito mais ao Estado do que as do setor privado. Há algo pensado a respeito disso?
Isso certamente está na agenda. O que não estou fazendo é, nos primeiros dias, decidir o que vai ser feito.

Mas existe uma linha, com idade mínima e unificação de sistemas, certo?
Todas as pessoas que estudaram esse assunto têm uma ideia de como deveria ser. Está justamente na hora de começarmos a discutir e termos uma proposta do governo. Depois, é levar para o Congresso. Neste momento, é preciso ter muito bom senso, realismo, cabeça aberta, e observar. Vamos olhar tudo isso e formular uma proposta. Quanto mais colaboração, melhor. Temos o prazo fixado pelo presidente, de 30 dias. Hoje eu recebi a opinião de um especialista importante, de fora do governo, muito sério, que tem estudado o tema a vida inteira. Ele me mandou uma mensagem dizendo o seguinte: eu acho um mês pouco para definir isso. É um assunto muito complexo. É mais prudente fixar um prazo maior.

O que o senhor acha dessa proposta de dilatação do prazo?
Eu disse a ele: vamos olhar. Fundamente um pouco mais isso.

Então o prazo pode ser dilatado?
Não sei. Idealmente, vamos fazer em 30 dias. Mas temos de ser realistas. Fazer uma reforma benfeita, para valer pelas próximas décadas.

Não se adiou demais a reforma nos últimos anos? A cada dia, o problema aumenta, não?
Pois é. Mas 15 dias não fazem diferença no quadro atuarial. E podem fazer muita diferença na qualidade da proposta, na precisão das regras e na eficácia da reforma.

Tem de acabar com privilégios, certo?
Para fazermos reformas profundas, eficientes e que cumpram o seu objetivo, é necessária a participação de todos. E também que se veja que todos estão juntos, para que cada um esteja disposto a fazer sua parcela. Ninguém gosta de pagar mais. É lógico. Normal. Um direito legítimo. O presidente do sindicato defender o interesse daquela categoria é normal.

O senhor certamente vai ajudar a formular a proposta.
Lógico. A Secretaria da Previdência é o órgão que vai fazer a proposta. Esse grupo de trabalho, de que eu gostei muito desde o início, está sendo coordenado de uma maneira muito objetiva, prática e eficiente pelo ministro Padilha.

Houve, nos últimos anos, muitas políticas direcionadas, com benefícios fiscais, para setores escolhidos. Isso acabou no governo?
O cerne é o que podemos chamar de eficiência. Qualquer coisa tem de ser medida. Primeiro quantificado, em estimativa, depois aferido o resultado. Funcionou? Deu incentivo e aumentou a produção de fato? Gerou emprego? Tem de prever isso da melhor maneira possível e depois aferir o resultado.

O senhor é a favor de medidas específicas?
Como princípio, considero eficientes as políticas gerais, para a economia como um todo, não para setores específicos. Por princípios de ação, acredito na livre competição, em mercados o mais abertos possíveis. O ministro Moreira Franco está aí, conduzindo o processo de concessões. Ele tem falado corretamente na questão da maior competição, na abertura, no menor direcionamento. Está corretíssimo.

O senhor presidiu o conselho da holding J&F, à qual pertence a JBS. É o caso de uma empresa que recebeu muitos incentivos. Teria sido possível ela crescer tanto sem isso?
É difícil saber. E eu não estou preocupado com essa situação específica, ou políticas específicas que foram adotadas no passado. Em alguns casos funcionaram, em outros, não. Quando isso foi feito (para a JBS), eu nem estava lá. Entrei muitos anos depois. Não tenho nenhuma opinião formada sobre isso, e não é relevante. O que é relevante são o custo hoje para o país e a definição de políticas que sejam eficientes.

Poderá haver políticas de incentivo?
Não sei. Vamos ver. É prematuro dizer.

O que podemos esperar como primeiras medidas?
Por enquanto estou evitando dizer isso.

O mercado financeiro está enlouquecido.
Eu sei. Um dos meus maiores trabalhos tem sido exatamente dar explicações para os mercados, acalmar, receitar um pouco de ansiolítico. O dólar hoje (ontem) está refletindo o efeito do Fed (Banco Central Americano).

Falta paciência do mercado neste momento?
Não. É normal. O mercado, por definição, é ansioso. Seja no BC ou, antes, no setor privado, eu acompanhei de perto o mercado, supervisionei o mercado. O BC tem as mesas todas que lidavam com isso. O operador, por definição, é ansioso. Se não, ele perde a oportunidade. Ele tem de se mover rápido. Isso não quer dizer que o formulador de políticas tem de ser ansioso ou tem de atender a essa ansiedade do mercado.

O problema é que houve muita  frustração.
Isso é importante. Exatamente para não corrermos o risco de gerar novas frustrações, nós não podemos ceder à ansiedade. Muitas vezes, isso leva à frustração, e a medidas precipitadas e mal estudadas para poder satisfazer a ansiedade. Vamos devagar. Porque nós estamos com pressa e não podemos errar. Agora, temos de acertar. Não são uma semana ou duas semanas que vão fazer diferença nas próximas décadas, mas é a correção das medidas. Então vamos trabalhar duro. Vamos ter pressa no trabalho, mas não na conclusão precipitada. Está todo mundo trabalhando duro, com senso de urgência.

Qual é o papel que o BC vai ter no conjunto de medidas e no resgate da credibilidade?
Vai cumprir seu papel de guardião da moeda, com autonomia.

O mercado diz que o governo Temer tem 60 dias para resolver tudo, devido às eleições municipais e aos prazos do Congresso para os projetos de lei e de emenda constitucional. O temor é que, no fim desse prazo, seja necessário dar boas notícias ao mercado, como queda de juros. Isso poderá acontecer?
Não. O que está no horizonte é que todas as áreas, inclusive o BC, tome as medidas corretas. O que se espera é que o BC controle a inflação. Essa é a medida correta, que a inflação convirja para a meta, que o mercado de câmbio preserve a liquidez e a livre flutuação da moeda, que os bancos continuem bem supervisionados, então o BC cumpre sua função básica. Não pode ter a missão de dar boas notícias a curto prazo. Por isso tem de agir com autonomia. É clássico isso.

O senhor prevê crescimento do PIB já em 2017? Alguns bancos estão revisando suas projeções. O Credit Suisse, que previa queda de 1% e agora já prevê alta de 0,5%. Tem gente que prevê até 3%.
Vamos esperar que isso aconteça.

Livre flutuação da moeda significa menos operações de swap no BC?
Na medida em que o BC vai operar com autonomia, eu não vou começar opinando sobre o que se deve fazer nem na taxa de juros, nem nos swaps cambiais.

Mas o senhor deu orientações iniciais?
Não. A orientação é essa: que o BC cumpra suas metas.

Como ficará a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece foro privilegiado para o BC?
A PEC está sendo trabalhada pela Advocacia-Geral da União (AGU). Eu já estudei, já dei opiniões. Isso será levado ao Congresso o mais rápido possível. É uma PEC que, em primeiro lugar, define o foro privilegiado para o presidente e os diretores do BC e o advogado-geral da União. Em segundo lugar, ela coloca na Constituição que o BC tem autonomia técnica para trabalhar. Ponto.

Brasília, 00h01min

Vicente Nunes