Tocando o terror

Compartilhe

Governos que agem pressionados pelas emergências costumam entregar decepção. Sem um planejamento concreto, prometem muito e praticamente não cumprem nada. Esse roteiro se tornou uma constante no Brasil. É difícil acreditar que, com Michel Temer no comando do país, será diferente. Ao anunciar seu plano para reduzir a violência que domina os presídios brasileiros, o presidente da República, que se manifestou pela primeira vez depois de três dias do massacre de 60 presos em Manaus, indicou que o risco de fracasso é grande. Pouca coisa de concreto foi apresentada, apesar de, no discurso, haver diagnósticos corretos, como a necessidade de separação dos presidiários de acordo com a gravidade dos crimes que cometeram.

Se realmente quiser evitar a repetição da história, Temer terá de mostrar, no caso da grave crise carcerária, o mesmo empenho que dedicou à aprovação da emenda à Constituição que instituiu um limite para o aumento dos gastos públicos. Quando lançou a proposta, poucos acreditavam na capacidade do governo de levar adiante um tema tão custoso. Mas, para surpresa dos céticos, o teto para as despesas foi avalizado pelo Congresso em tempo recorde. A proposta, inclusive, saiu da Câmara e do Senado exatamente como a equipe econômica havia preparado.

É lógico que são dois temas muitos distintos. Mas Temer precisa provar que, realmente, desta vez o país dará um passo importante para resolver um problema que se agigantou justamente pela total ausência do Estado. As condições precárias dos presídios estão escancaradas há tempos. Mas, em vez de atuar para revertê-las, o governo — aí incluídas todas as esferas — simplesmente fechou os olhos. Deixou que seu espaço fosse tomado por facções criminosas que ditam regras não apenas entre os muros dos presídios, mas também nas cidades onde estão estruturadas. Essas facções viraram lei.

O mais assustador é que, diante da ausência do Estado, a população mergulhou na onda do conformismo. Passou a aceitar as facções criminosas como algo dentro da normalidade. Se matam um, 10 ou 60, a comoção é mínima. Em casos específicos, como o de Manaus, alguns dão sinais de indignação, o que faz com que o governo tenha espasmos de autoridade. Nesses episódios, o Estado surge com propostas mirabolantes, como se todos os graves problemas que nos afligem fossem ser resolvidos da noite para o dia. Como nada de concreto acontece, os criminosos se fortalecem, zombam da sociedade.

Equívocos

Presidente da Ordem dos Economistas do Brasil, Manuel Enriquez García diz que o risco de o governo, mais uma vez, fracassar é enorme. Para ele, será preciso muito mais do que um discurso afinado para superar barbáries como a de Manaus, que Temer, equivocadamente, tratou como um “acidente”. No sentido literal, acidente é um imprevisto, algo inesperado, que foge do controle. O massacre de 60 presos na capital do Amazonas, na verdade, é uma rotina. Repete-se em maior ou menor grau quase todos os dias. Massacres também ocorrem todos os dias nas ruas. Basta olhar as estatísticas. Pelo menos 55 mil pessoas morrem todos os anos vítimas de armas de fogo no país. É uma guerra tenebrosa.

De nada vai adiantar o plano emergencial de Temer se o governo não atacar o problema na sua raiz: a educação. Hoje, as escolas, em boa parte, deixaram de ser um local onde se prepara o cidadão de bem. Sem um plano de preparo das crianças para encarar a vida, as instituições de ensino estão expulsando muitas delas para as ruas. Permitem que, em vez de se renderem ao aprendizado, sejam cooptadas pelas facções que tocam o terror no país. Muitas das crianças serão preparadas para suceder os líderes que matam, esfacelam, decapitam todos que tentam interferir em seus caminhos.

“Estamos vivendo uma situação dramática. O que vemos nos presídios é o retrato do descaso, do qual todos somos vítimas”, diz García. Na avaliação dele, apesar dos frequentes alertas feitos por especialistas e peritos, nada mudou. Tudo foi empurrado com a barriga. “Creio que, daqui a dois meses, tudo o que foi prometido pelo governo para reverter a criminalidade terá caído no esquecimento”, ressalta. Não se trata de má vontade. “É a realidade, por mais dura que seja. Todos os planos anteriores fracassaram”, acrescenta.

Proteção divina

A certeza do economista aumenta diante da dificuldade do governo em detalhar o plano de emergência de combate à criminalidade. No fim da manhã de ontem, depois de quebrar o silêncio em relação à barbárie em Manaus, Temer e três de seus ministros discursaram, emitiram opiniões sobre tudo, transferiram culpa e prometeram apresentar o detalhamento das ações que serão tomadas. Nada aconteceu. Isso só comprova que tudo está sendo feito às pressas, no calor das emoções, com o intuito de evitar que se consolide a imagem de um Estado inerte.

A constatação, portanto, é uma só: ainda não será desta vez que o Brasil verá um combate efetivo à criminalidade, ao Estado paralelo que se empodera e transforma o país em um campo de guerra. Os brasileiros terão de contar com a proteção divina. Nos dias atuais, não há mais lugar seguro. Nas grandes cidades, nos locais mais remotos, a violência está disseminada. Muitos trabalhadores que saem de casa pela manhã não sabem sequer se voltarão vivos.

Não é preciso, contudo, nenhum serviço de inteligência sofisticado para destruir as células que comandam o crime organizado. Os bandidos atuam às claras, sem medo de represálias. Sabem que o sistema está estruturado a favor deles e não das pessoas de bem. Infelizmente, temos de nos preparar para o pior.

Brasília, 06h05min

Vicente Nunes