Temer “sai das cordas”, mas conta com ajuda do BC

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O governo acredita que “saiu das cordas” e que terá, se nenhum integrante do alto escalão se desviar do roteiro traçado até agora, um fim de ano mais tranquilo. Ao transferir o foco do noticiário da política para a economia, ganhou fôlego suficiente para dar uma arrumada na casa e montar as estratégias para levar adiante o ponto mais importante entre todas as medidas que foram anunciadas ao longo deste mês: a reforma da Previdência. Com ações populistas, como a liberação dos saques de contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o Planalto quer reduzir as resistências às mudanças na aposentadoria. Pretende, também, recuperar a musculatura para lidar com as novas denúncias da Lava-Jato.

O sentimento no entorno do presidente Michel Temer ontem à noite era de que o presente de Natal chegou mais cedo. Não havia um auxiliar que não exibisse alívio depois da maratona que foram os últimos dias para estruturar o pacote que inclui uma minirreforma trabalhista. Houve quem perguntasse se o governo realmente terá forças para encaminhar, conjuntamente, dois temas tão impopulares no Congresso, com críticas pesadíssimas das centrais sindicais. A resposta era sempre a mesma: o momento é de comemorar o fato de o governo, que estava de joelhos, voltar a ficar de pé. “O que virá depois, não importa agora. Até duas semanas atrás, já nos davam prazo de validade”, diz um assessor presidencial.

O governo sabe que muitas das medidas anunciadas vão demorar tempo para surtir efeito. Mas não havia como esperar. Um dos principais elaboradores do pacote explica bem a urgência: “A crise política estava se agigantando, e o seu desenrolar poderia ser muito ruim. Para reverter isso, pegamos tudo o que tínhamos na gaveta, mesmo sabendo que algumas coisas são mais espuma do que realidade. Mas deu certo”. Essa estratégia é velha. Foi usada em todos os governos. “A nossa vantagem é que, sob pressão, boa parte do que precisa ser feito avança. Basta ver o que aprovamos no Congresso”, diz.

A consciência dentro do governo é de que a saída da crise está na economia. Se nada der certo, o prazo de validade realmente será muito curto. “Usando uma expressão comum no Banco Central, entramos num interregno benigno. Ou seja, temos que aproveitar enquanto a maré está a nosso favor”, ressalta um integrante da equipe do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. No entender dele, até a Lava-Jato está cooperando, pois os responsáveis pelo vazamento de informações entenderam que, neste momento de festividades, a repercussão de denúncias será menor do que a desejada.

Ataques ao BC

Há, contudo, um problema latente à espera do governo, que terá de ser enfrentado logo após as comemorações do ano-novo: a taxa básica de juros (Selic) definida pelo Banco Central. Está se construindo um consenso de que o BC errou feio na condução da política monetária. Ex-dirigentes da instituição, como Affonso Celso Pastore, Gustavo Loyola e Luiz Fernando Figueiredo, têm disparado críticas à postura conservadora defendida pelo atual presidente do banco, Ilan Goldfajn. Eles acreditam que a Selic já deveria estar caindo a um ritmo de 0,5 ponto percentual, e não de 0,25.

A gritaria contra o BC aumentou ontem depois da divulgação do Relatório Trimestral de Inflação. Entre economistas do governo e do mercado, foi quase unânime o entendimento de que o documento estava velho, mostrando uma autoridade monetária sem discurso para justificar juros tão elevados, de 13,75% ao ano — de longe, os maiores do mundo. O BC não levou em consideração a forte desaceleração do IPCA-15, a prévia da inflação, que cravou alta de apenas 0,19% em dezembro, a menor taxa para o mês em quase 20 anos. Poderia ter feito uma avaliação à parte do relatório, que já estava impresso quando o resultado foi divulgado. Pelo menos, mostraria sintonia com a realidade.

Os economistas chamam ainda a atenção para a fragilidade das justificativas do BC para ser tão cauteloso: a inflação de serviços e o andamento das reformas. O indicador de preços desabou nos últimos três meses e o governo conseguiu aprovar, em tempo recorde, a Emenda à Constituição que limita, por até 20 anos, o aumento dos gastos públicos à inflação do ano anterior. Além disso, encaminhou ao Congresso o esperado projeto de reforma da Previdência. “Nem parece aquele BC que, em maio último, quando assumiu, foi aplaudido. De repente, perdeu o rumo”, diz um executivo de um banco estrangeiro.

Torcida

O BC, por sinal, já sentiu o baque. Ao ser procurado por um colega economista, um dos diretores do banco perguntou logo: “Você também vai nos crucificar”. Outro dirigente do BC, em conversa com analistas privados, partiu para o ataque quando teve seus argumentos fragilizados pela realidade. Em um evento recente em São Paulo, depois de críticas ferozes de Affonso Celso Pastore ao conservadorismo da política monetária, mesmo com a economia colapsando, Ilan Goldfajn só faltou pedir desculpas. Disse que o objetivo do BC era ancorar as expectativas de inflação à meta de 4,5% e que a instituição não era insensível ao resultado do Produto Interno Bruto (PIB), há dois anos em retração.

No Planalto, a ordem é não estimular os ataques ao BC, os quais Temer considera muito perigosos. Por enquanto, dizem assessores do presidente, Ilan Goldfajn continua desfrutando do mesmo prestígio que tinha quando chegou ao comando da autoridade monetária. Temer, no entanto, torce, desesperadamente, para que, na reunião de janeiro próximo, o Comitê de Política Monetária (Copom) pise no acelerador e corte, com mais força, a taxa Selic. Para ele, se a opção do colegiado for pela queda de 0,75 ponto, será bom. Caso os juros caiam um ponto, será muito melhor. É esperar para ver.

Brasília, 06h09min

Vicente Nunes