TCHAU, QUERIDO

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Foram necessário seis meses para tomar a decisão, mas, para o bem geral da Nação, finalmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu ontem, por unanimidade, o mandato de Eduardo Cunha e o afastou da Presidência da Câmara dos Deputados. Com o impeachment da presidente Dilma Rousseff prestes a ser aprovado pelo Senado, não havia mais como a maior Corte do país permitir que uma pessoa acusada de tantos crimes continuasse ocupando um cargo tão importante. Pior, operando nos bastidores para dar as cartas em um governo que está prestes a tomar posse.

A grande preocupação dos agentes econômicos, daqui por diante, é saber como se encaminharão as medidas que estão para ser votadas na Câmara sem Cunha no comando. A mais urgente delas é a mudança da meta fiscal deste ano, de superavit de R$ 24 bilhões para deficit de R$ 96,6 bilhões. Ao mesmo tempo em que se livrou de um peso político, o vice-presidente Michel Temer, que poderá substituir Dilma já na próxima semana, terá que contar com o apoio quase integral dos aliados de Cunha para viabilizar sua administração.

Como bem ressalta um experiente observador político, o afastamento de Cunha tanto facilita quanto dificulta a vida de Temer. Com o deputado no comando da Câmara, certamente os projetos de interesse do vice andariam mais rápido, mas o preço a ser pago seria alto demais. Com quase 200 parlamentares sob seu comando, Cunha tomaria de assalto o governo, a ponto de transformar Temer em um presidente decorativo, assim como foi um vice decorativo de Dilma. O deputado afastado estava certo de que teria espaço preponderante na futura administração peemedebista.

Já com outro parlamentar na Presidência da Câmara, os projetos com os quais Temer conta para resgatar a confiança do país podem não andar na velocidade desejada. Contudo, a fatura a ser entregue ao Palácio do Planalto será bem menor. Não se imagina que o substituto de Cunha, seja quem for, tenha a voracidade dele para tirar proveito da máquina pública em benefício próprio. Nesse quesito, Cunha é quase imbatível. Só se compara aos caciques do PT, que, nos últimos 13 anos, comandaram, na visão da Procuradoria-Geral da República, uma verdadeira organização criminosa.

Ameaça constante

Está claro, porém, que, mesmo punido pelo STF, Cunha não deixará de atuar nas sombras para tentar manter sua influência. Desde o momento em que recebeu a notificação de que seu mandato havia sido suspenso, tratou de montar uma rede que lhe permitirá continuar dando as cartas na Câmara. Cunha sabe os podres de muitos parlamentares e usará as informações para manipular votações e obter vantagens. Não deixará Temer livre para fazer o que quiser. Tudo indica que o vice ainda submeterá muitas de suas decisões ao deputado afastado.

A aliados, Temer admite que, do ponto de vista de imagem, a retirada de Cunha da Presidência da Câmara é boa, já que a grande maioria dos eleitores os associam. O vice sabe, também, que desprezar o deputado afastado pode lhe custar o mandato. Não se deve esquecer que, por determinação do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, Cunha foi obrigado a acatar um pedido de impeachment contra Temer. Se perceber que foi traído, o deputado afastado pode usar toda s sua influência para convencer aliados a retirarem o processo da gaveta.

Não por acaso, os investidores mantêm em 35% as chances de Temer não terminar o mandato. Além do fantasma de Cunha, o Superior Tribunal Eleitoral (TSE) pode cassar a chapa que elegeu Dilma. As investigações sobre possíveis irregularidades na campanha à reeleição da petista estão a todo vapor. “Temos um possível presidente caminhando na corda bamba. Por isso, ele não poderá jogar Cunha aos leões. Terá, ao mesmo tempo, que manter distância do deputado afastado pelo Supremo e adoçar a boca dele, fazendo uma série de concessões. Não será fácil”, ressalta um integrante da equipe do vice.

Limpeza ética

A decisão do Supremo em relação a Cunha animou os investigadores da Lava-Jato. Eles acreditam que aumentaram as chances de o deputado, que ainda mantém foro privilegiado, ser preso, assim como a mulher e a filha dele. Policiais federais e procuradores estavam inconformados com a demora do STF em suspender o mandato do parlamentar. Eles alegam que não dá para falar em uma limpeza geral do Congresso. O que se tentará é levar o máximo de políticos corruptos para a cadeia.

Os investigadores da Lava-Jato avisam que ainda há muita coisa para ser desvendada sobre a corrupção que devastou o caixa da Petrobras. E as revelações vão atingir o Congresso e o governo. Portanto, quem se aproveitou da rede de propina sustentada pelas grandes empreiteiras deve se preparar. O recado vale, inclusive, para o presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão, do PP, que está citado nas investigações, e para o presidente do Senado, Renan Calheiros.

Tempos emocionantes estão por vir. Mas o momento, agora, é de celebrar a limpeza ética pela qual o país está passando. A decisão do Supremo foi o primeiro passo para expurgar, de vez, Cunha e seus asseclas da vida pública.

Brasília, 00h28min

Vicente Nunes