Quem conhece os meandros do governo sabe que o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, nunca comungaram das mesmas ideias. Sempre que podiam, nos bastidores, tratavam de detonar um ao outro. Pois não é que a presidente Dilma Rousseff conseguiu o milagre de uni-los? Os dois se tornaram os maiores defensores do gradualismo nas políticas fiscal e monetária. E com toda a flexibilidade possível.
A ata do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada no mesmo dia em que Barbosa anunciou um pacote de incentivos ao crédito de R$ 83 bilhões, deixou claro que o BC já não está mais “especialmente” preocupado com a convergência da inflação para o centro da meta, de 4,5%, até o fim de 2017. Por mais que o discurso de Tombini reforce isso, as ações do BC vão mostrar exatamente o contrário. E que ninguém se espante se, ao longo deste ano, a taxa básica de juros (Selic) cair.
Enquanto Tombini vai insistir nas incertezas externas e nos “eventos internos não econômicos” para justificar a postura mais complacente do BC com a inflação, Barbosa trabalhará pesado para que o sistema de bandas fiscais seja, finalmente, adotado pelo governo. Banco Central e Fazenda falarão a mesma língua, ainda que, em alguns momentos, possam indicar que a sintonia não é tão forte quanto dizem os maledicentes.
O certo é que BC e Fazenda unidos — o que deveria ser uma boa notícia — custarão caro ao país. Num governo de Dilma Rousseff, isso significa sérios riscos de estripulias na área econômica, muitas semelhantes às que prevaleceram no primeiro mandato da petista e resultaram em pelo menos dois anos de recessão — mais precisamente queda de quase 8% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa visão é reforçada pela própria presidente, ao avisar que não abrirá mão de suas convicções.
Subserviência
Um observador atento do governo define bem o novo e maleável Tombini. Até divulgar, na terça-feira da semana passada, a surpreendente nota em que atribuía a decisão de manter a Selic em 14,25% ao ano às terríveis previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia brasileira, o presidente do BC era visto como um personagem do segundo escalão do governo. A partir dali, finalmente foi alçado à condição de ministro, com trânsito livre no Planalto.
Muitos dizem que, ao se render de vez à cartilha de Dilma, Tombini subiu de patamar e ficou mais forte no cargo. Na cabeça dele, e, principalmente, na da presidente da República, é a mais pura verdade. Perante a sociedade e os agentes econômicos, porém, o comandante do BC ficou menor. Pior: a subserviência dele jogou para o buraco o que restava da credibilidade da autoridade monetária. “É o típico caso de sede de poder”, ressalta o observador.
O tamanho do descrédito em relação a Tombini e ao BC pode ser medido pelas expectativas de inflação, que se deterioraram por completo depois do alinhamento do banco com a Fazenda e o Planalto. As projeções de inflação para 2016 saltaram de 7% para 7,23% e as de 2017, de 5,40% para 5,65%. Se forem levadas em consideração apenas as cinco instituições (Top 5) que mais acertam na pesquisa Focus, a desconfiança fica maior. Para este ano, as estimativas pularam de 7,54% para 7,92% e, em 2017, de 5,50% para 7,19%.
Na prática, segundo Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Partners, isso significa o empobrecimento dos trabalhadores — a renda registrou, em 2015, a primeira queda em 10 anos — e um custo maior para o Tesouro Nacional se financiar no mercado, pois as taxas de juros dos títulos públicos não param de subir. “Tudo ficou imprevisível”, afirma. Segundo ele, a pergunta que todos estão se fazendo agora no mercado é se há consistência na política de estímulos ao crédito num quadro de baixa confiança e inflação muito acima do centro da meta.
Buraco sem fundo
O entendimento, inclusive dentro do governo, é de que, com a manutenção dos juros pelo BC e o pacote de R$ 83 bilhões, Dilma está tentando sair do isolamento e angariar apoio político para se livrar do impeachment. É possível que, desse ponto de vista, obtenha sucesso. Mas acreditar que a economia vai se restabelecer por meio de mais endividamento das famílias e das empresas chega a ser ingenuidade — ou má-fé.
Infelizmente, diz um graduado técnico da Fazenda, ao não querer assumir a real situação da economia e enfrentar os problemas com medidas consistentes, que resgatem a confiança dos agentes econômicas, o Brasil continuará cavando o buraco da recessão, do desemprego e das desigualdades sociais. Na situação em que o país se encontra, não há saída fácil.
Brasília, 08h30min