TÃO LONGE, TÃO PERTO

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PAULO SILVA PINTO

 

Quem dera houvesse uma solução mágica para as nossas agruras. Um dos anjos que nos observam poderia sair da dimensão em que se encontra para nos salvar, como fez com a menina que caía do terraço de um prédio o personagem de Tão longe, tão perto. O título em português do filme do cineasta alemão Wim Wenders também sugere a miragem temporal que vivemos. Parece próximo o alívio. Logo depois de vencida a votação da admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

 

Na hipótese remota de ela vencer, petistas acreditam que a presidente poderá propor um pacto à oposição e conseguir superar os problemas que vivemos. Quem aposta no impeachment espera a redenção dos nossos problemas depois de Michel Temer tomar posse. Pode até ser que aconteça. Mas está longe de ser garantido. E certamente não será rápido.

 

Cresce o número de analistas de mercado que acreditam em uma continuidade da crise com Temer no poder. Por várias razões. A primeira é que a recessão está muito forte, e é difícil vencer a inércia da falta de investimentos. A outra parte do ceticismo diz respeito à desconfiança de que ele consiga impedir um ataque à máquina pública dos fisiologistas com os quais está aliado, vários dos quais, aliás, suspeitos ou acusados de graves crimes de corrupção.

 

Não que na safra recente de dirigentes tenham faltado essas características. O problema é que, como diz um observador da Esplanada, ratos magros costumam ser mais perigosos do que ratos que estão com a barriga cheia. Predominam as apostas em uma recuperação, ainda que não imediata. Temer conseguiria trazer nomes importantes para o ministério, pelo menos para postos-chaves.

 

Um dos mais cotados para a Fazenda é o economista Murilo Portugal, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Ele alia sólida formação acadêmica a trânsito no mercado e em organismos internacionais — passou 15 anos em cargos de direção no Fundo Monetário Nacional (FMI) e no Banco Mundial. Ex-secretário do Tesouro no governo de Fernando Henrique , é funcionário público de carreira, com amplo conhecimento da máquina pública.

 

Com uma equipe consistente e trânsito no Congresso, Temer conseguiria a aprovação de algumas reformas. Seria, assim, possível conter a sangria das contas públicas, que atinge novos recordes a cada dia. Há até quem aposte em mudanças mais ousadas, como uma reforma da Previdência. O deputado Beto Mansur (PRB-SP), primeiro-secretário da Câmara e um dos parlamentares mais influentes do Congresso, acredita que isso estará ao alcance de um novo governo. “Poderia ser feito algo que valesse apenas para quem não ingressou no mercado de trabalho. Uma proposta assim teria aprovação até dos sindicalistas, pois não afetaria quem já está na base deles”, diz Mansur.

 

Mudanças

 

A economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, não vê vantagem em algo tão limitado. “Será insuficiente”, diz. Ela acha, porém, que há razões para acreditar em mudanças significativas com um novo governo. “A crise está nos empurrando para o impeachment. É de esperar que o processo também resulte em medidas para sairmos dela”, defende. Ela acredita até na aprovação de uma reforma do sistema de aposentadorias. “Algo com efeitos bem lá para a frente, com regras de transição, mas com mudanças importantes”, aponta.

 

Zeina e uma legião de economistas consideram urgente fazer algo para mudar as regras previdenciárias, ainda que seja para daqui a muitos anos. Traria efeitos imediatos na melhora da confiança dos agentes econômicos, que veem a situação se deteriorar a cada dia. Neste ano, até a parcela urbana do sistema de aposentadorias terá deficit — de R$ 39 bilhões —, o primeiro desde 2008.

 

Mudar o futuro traz benefícios ao presente porque muita gente que pensa em investir resiste a fazer isso quando pensa na explosão das contas públicas no futuro. Se nem mesmo hoje o governo consegue limitar os gastos ao que arrecada, imagine daqui a uma década, com tantos aposentados. Graças ao desenvolvimento econômico e à urbanização, os nascimentos minguam e a proporção de idosos cresce de forma veloz. As pessoas com mais de 60 anos equivalem a 11,5% da população economicamente ativa. Daqui a 15 anos, serão 19%.

 

Brasilia, 00h01min