POR ANTONIO TEMÓTEO
Em momentos de crise profunda, como a que o Brasil enfrenta há pelo menos dois anos, empreender, investir e inovar são os caminhos para que as empresas compensem a queda no faturamento e se preparem para competir quando a retomada da economia vier. Nessa equação, cabe ao governo patrocinar mudanças legais que tornem o ambiente de negócios mais atrativo e acelerar, por meio dos reguladores, os processos para liberar a entrada de novos players no mercado. Tudo isso, com o intuito de melhorar a vida dos consumidores.
Entretanto, essa não é a realidade brasileira. Postos-chaves em diversos reguladores e em autarquias são ocupados por indicados políticos mais interessadoas em garantir o corporativismo do que em promover a expansão dos mercados. Um exemplo gritante dessa situação ocorre no setor segurador. A Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda que controla e fiscaliza esse segmento, declarou guerra contra a Youse, marca criada pela Caixa Seguradora para ser a primeira companhia digital nesse ramo. A Caixa Seguradora tem 52% de capital da francesa CNP Assurances e 48% pertencem à Caixa Seguridade, controlada pela Caixa Econômica Federal.
Desenvolvida a partir de investimentos de R$ 500 milhões ao longo de três anos, a Youse foi criada para vender seguros pela internet, sem intermediários. A companhia ingressou com um pedido formal na Susep em 30 de maio para ser autorizada a funcionar. Mas o lobby contrário dos corretores de seguro tem barrado o avanço do processo na autarquia. A Federação Nacional dos Corretores de Seguros (Fenacor), presidida pelo ex-deputado federal Armando Vergílio, e diversos sindicatos estaduais encaminharam queixas formais à Susep e alegam que a Youse faz propaganda agressiva que pode iludir o consumidor ao dizer que o corretor de seguros não é necessário.
Na prática, os corretores querem manter sua reserva de mercado ao torpedear a Youse para continuar a vender os seguros com exclusividade. Guerra parecida foi travada pelos motoristas de táxi contrários ao Uber. Técnicos da Supep, ouvidos reservadamente, detalham que as exigências técnicas para a liberação da empresa foram cumpridas em julho e, desde então, o processo está engavetado pelo superintendente da pasta, Joaquim Mendanha de Ataídes. Os responsáveis pela análise estão incomodados com a postura corporativista adotada pelo chefe. Em nota no site da autarquia, ele afirma que a Youse não é sociedade seguradora autorizada a funcionar e não possui produtos aprovados. Ele alega que o pedido para a constituição da seguradora está sob análise e pendente de aprovação.
Além disso, Ataídes informa que as reclamações e denúncias apresentadas a respeito da comercialização de produtos pela empresa estão sob análise da Diretoria de Supervisão de Conduta. O problema, nesse caso, é que Ataídes ocupa o posto de superintendente por indicação do deputado federal Lucas Vergílio (SDD-GO), filho do presidente da Fenacor, Armando Vergílio. Antes de ser nomeado chefe da Susep, ele era presidente do Sindicato dos Corretores de Seguros de Goiás (Sincor-GO). Lucas Vergílio, além de parlamentar, é vice-presidente Institucional e de Relações com o Corretor de Seguros do Sincor goiano.
Pressões
Além das pressões das entidades que representam os corretores para que a Susep mantenha engavetado ou não autorize a Youse a funcionar, o deputado Lucas Vergílio aprovou, nas comissões de Finanças e Tributação e de Defesa do Consumidor da Câmara, requerimento para convidar representantes da Caixa, da Caixa Seguros, o presidente da Caixa Seguridade, o presidente da Youse e um representante da Susep afim de debater a comercialização e a propaganda de produtos de seguro pela internet.
Ele justificou nos dois requerimentos que as audiências públicas visam esclarecer a venda de seguro digital, o que considerou uma inovação de mercado. Conforme o parlamentar, pode haver afronta ao direito do consumidor e ao código que rege as relações de compra e venda de produtos. O lobby contrário pode prejudicar o processo de abertura de capital da Caixa Seguridade, previsto para ocorrer no próximo ano. O mercado calcula que a Youse valeria R$ 2 bilhões mesmo sendo uma novidade e tornaria a oferta pública de ações mais atrativas.
Em meio ao fogo cruzado, o presidente da Caixa Seguradora, Thierry Claudon, tem uma reunião marcada para as 15h de hoje com o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Refinetti Guardia, e o assunto deve estar na pauta de discussões. Uma coisa é certa: nessa guerra, quem perde é o consumidor.