Artigo: Subsídios, quem recebe e quem paga

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POR MARCO AURÉLIO SANFINS, coordenador do Núcleo de Estudos Empresariais e Sociais da Universidade Federal Fluminense (NEES-UFF)

HEDMILTON MOURÃO CARDOSO, professor-assistente do Núcleo de Estudos Empresariais e Sociais da Universidade Federal Fluminense (NEES-UFF)

As crises política e econômica geradas por uma greve nacional no transporte rodoviário de cargas tem como razão de fundo a falta de planejamento e execução de políticas públicas de longo prazo nos setores de transporte e logística. A ausência da definição de diretrizes e incentivos resultantes de estudos multidisciplinares que considerem todas as consequências e desdobramentos de cada uma das opções obriga o país a conviver com a situação de desorganização vista nos últimos dias. Uma vez instalada a crise, soluções vão sendo dadas com o único objetivo de estancá-la, sem considerar outros efeitos das decisões tomadas nem tendo qualquer orientação coerente com o que se deseja no longo prazo.

Não sendo especialista em logística, deixo para profissionais melhor qualificados a proposição das medidas que devem ser tomadas na área para o País vencer a crise e promover a modernização do setor. No entanto, considero que toda esta situação nos colocou frente a várias situações que merecem ser avaliadas sob as óticas micro e macroeconômicas. Especificamente quanto às medidas adotadas pelo governo, elas foram as possíveis dado que num país onde o transporte rodoviário responde por 60% da movimentação de cargas, era inevitável que após dois ou três dias de paralisação viesse a escassez de produtos.

No entanto, tais soluções não podem vigorar senão no curto prazo, porque contêm incoerências micro e macroeconômicas, além de não necessariamente refletirem as escolhas da sociedade no longo prazo. Uma das mais graves é a redução do preço do óleo diesel pela adoção de um subsídio governamental. O efeito microeconômico é o de reduzir o preço relativo do diesel em relação a outros combustíveis e o preço do diesel no Brasil em relação a países fronteiriços.

O efeito óbvio é o de aumento na demanda de diesel em detrimento de outros combustíveis sempre que a substituição for possível e o aumento da demanda do diesel brasileiro por países que fazem fronteira com o Brasil. Diante da impossibilidade de subsidiar somente o diesel que vai para o caminhoneiro brasileiro, o contribuinte estará subsidiando também os proprietários de caminhonetes de luxo, iates, indústrias que podem transformar seus veículos e máquinas para o uso do combustível mais barato. Sem falar nos consumidores estrangeiros. Como resultado, é possível que as projeções dos efeitos sobre as despesas públicas sejam superiores aos inicialmente estimados.

Por outro lado, o subsídio ao diesel sanciona uma situação estrutural que certamente explica uma parte da ineficiência do transporte de carga no Brasil. A frota dos transportadores autônomos que possui 37,3% dos caminhões do país tem idade média de 16,4 anos enquanto as frotas de empresas possuem idade média de 9,4 anos. Adicionalmente, a média de caminhões por empresa é de 7,5 enquanto os autônomos possuem 1,4 veículos. Novamente recorrendo à microeconomia, é natural que tanto pela melhor tecnologia como pela escala a produtividade dos autônomos seja menor e seus custos maiores.

O subsídio necessário para viabilizar a operação dos caminhoneiros autônomos necessita ser maior que a concedida às empresas. Mas é possível fazer essa distinção? Sim, por meio de incentivos à modernização da frota. Assim ganharíamos todos. Transportadores, empresas contratantes de transporte de carga e a sociedade. Além disso, pavimentação de estradas, redução do roubo de cargas, melhoria das condições de integração com outros modais certamente seriam soluções microeconômicas com efeitos macroeconômicos positivos no longo prazo e que precisam ser debatidas por ocasião da campanha eleitoral.

Vicente Nunes