A presidente Dilma Rousseff relutou o quanto pôde, gaguejou ao responder a um questionamento, mas, pela primeira vez, assumiu publicamente que errou na condução da política econômica nos últimos quatro anos. Não foi uma confissão explícita. Mas, a despeito de todas as ressalvas, ela mostrou que a voz das ruas — pelo menos 2 milhões de pessoas gritaram “Fora Dilma”, “Fora PT” no último domingo — bateu forte no Palácio do Planalto. A ponto de a chefe do Executivo assumir uma postura humilde que nunca demonstrou, esboçar simpatia e até distribuir sorrisos em entrevista concedida depois de sancionar o Código de Processo Civil.
É questão de sobrevivência. Ainda que não seja uma raposa política — está muito longe disso —, Dilma sabe que os protestos só estão no início. À medida que o desemprego for dando as caras, o que não vai demorar, o descontentamento da população com o governo vai se acentuar. Há articulações pelas redes sociais de novas manifestações no meio de abril ou início de maio. Até lá, a tendência é de as empresas acelerarem as demissões, uma vez que o nível de atividade está despencando. Será difícil para as famílias lidarem com a perda do emprego estando altamente endividadas. O Planalto está ciente de que esse quadro é iminente.
No entorno da presidente, a visão é de que, com a forte cobrança da sociedade, que se cansou da inflação alta e teme perder conquistas que lhes custaram caro, Dilma ficou mais dependente do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Por isso, vai bancar, até onde for possível, o ajuste fiscal preparado pela equipe econômica. Ela pode até fazer algumas concessões para não destroçar de vez a base aliada, mas sabe que não tem mais tempo e precisa entregar a meta de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). O precipício ficou muito mais perto do governo.
Pelas projeções da Eurasia Group, mesmo com Dilma ainda longe de enfrentar uma crise de governabilidade, são de 20% as chances de ela sofrer um processo de impeachment. A instituição admite que se trata de uma probabilidade elevada, diante da dificuldade de se conduzir o afastamento de um presidente da República. Mas, a depender da forma como governo tocar o país, sobretudo, a economia, tudo pode acontecer.
Os analistas da Eurasia destacam que chefes de governo podem sobreviver com índices de popularidade muito baixos. Foi o caso de Fernando Henrique Cardoso em 1999, cuja aprovação despencou para um dígito depois da desvalorização do real. Eles lembram que Dilma não é forasteira como Fernando Collor, que, em 1992, renunciou à Presidência da República antes da conclusão do processo de impedimento. Ela faz parte do maior partido de esquerda, com raízes nas entidades trabalhistas e em movimentos sociais.
Assim, destacam os especialistas, a maioria dos atores políticos, tanto do centro quanto da oposição, estão plenamente conscientes de que a insistência no impeachment da petista pode levar a um ambiente político altamente volátil, com consequências pesadas para a economia, que, neste ano, deve encolher 1,5%. Fiel da balança neste momento tão delicado, o PMDB usará a fragilidade de Dilma para obter vantagens. Quer a presidente como refém.
Com menos de três meses do segundo mandato, Dilma não pode mais errar. Acabou o tempo de promessas não cumpridas e de ficar pendurada em um marqueteiro especialista em fabricar mentiras. Como bem ressaltou ontem um banqueiro, ao avaliar as manifestações, o Brasil cansou, a paciência se esgotou. O país que sonhou em se tornar potência está de joelhos. Se conseguir atravessar 2015 sem traumas mais sérios, pode até ser que comece a se reerguer. Mas sem ufanismo. Os brasileiros não querem mais viver de sonhos. Querem estabilidade econômica para olhar à frente e planejar o futuro. A presidente, com todos os seus equívocos, lhes roubou esse direito.
Visão de fora
» Um grupo de economistas recém-chegado do exterior está assustado como os investidores locais estão exacerbando a crise política vivida pelo Brasil. Acreditam que há exageros em atribuir a forte disparada do dólar ao esfacelamento da base aliada da presidente Dilma. A alta da moeda é um movimento global.
Desarranjo global
» Na Europa e nos Estados Unidos, os investidores estão vendo o Brasil como uma pequena parcela de um mundo que terá de se ajustar ao fortalecimento da divisa dos Estados Unidos. A valorização do dólar provocou desarranjos em quase todos os países emergentes, sobretudo os dependentes de commodities.
Foi a classe média, estúpido! » Em conversa ontem, uma leva de empresários não escondia o desconforto com o fato de o PT tentar desqualificar as manifestações de domingo, ao restringi-las aos ricos descontentes com governo. Um deles listou uma série de protestos que não teve o povão como protagonista.
Líderes da elite
» Conforme o empresário, ao longo dos 20 anos de ditadura no país, a lista dos que foram para a frente de batalha tentar derrubar o regime foi a classe média, que incluía Fernando Gabeira, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Dilma Rousseff e José Dirceu. Nenhum deles era pobre.
Tudo como sempre foi
» Nas Diretas Já, destaca o mesmo empresário, não se tem notícia de integrantes da baixa renda liderando as manifestações na Cinelândia, na Candelária ou na Paulista. Na passeata dos 100 mil, só havia artista na frente de batalha. Os caras-pintadas que ajudaram a derrubar Collor eram da classe média alta. “Por que haveria de ser diferente agora?”, questiona.
Brasília, 00h01min