SINAIS DE COLAPSO

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O governo já está convencido de que a esperada recuperação da economia não virá mais neste ano e, muito provavelmente, nem em 2016. Os indicadores divulgados ontem sobre inflação, nível de atividade e mercado de trabalho deram a exata dimensão do buraco em que o país se meteu. Mas nada doeu tanto no coração do Palácio do Planalto quanto a prisão dos presidentes das duas maiores empreiteiras nacionais, a Odebrecht e a Andrade Gutierrez.

A visão dentro do governo é de que o setor da construção, que já vinha sofrendo por causa das investigações da Operação Lava-Jato, vai parar por completo. Até que se consiga depurar as empresas acusadas de se beneficiarem do gigantesco esquema de corrupção na Petrobras, nenhuma grande obra sairá do papel. E os poucos empreendimentos que estão em andamento devem ser interrompidos.

A construção é vital para a economia do país. É um dos setores que mais emprega, por não precisar de mão de obra tão qualificada. Puxa os investimentos e move boa parte da indústria. Como todas as grandes companhias estão na mira da Justiça, com seus donos e diretores sendo investigados e processados, a paralisia é geral. “Já não descartamos queda superior a 2% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2015”, admite um ministro.

Para ele, mesmo que o governo se esforce muito para pôr em prática o programa de concessões de R$ 190 bilhões lançado recentemente pela presidente Dilma Rousseff, nada deverá sair do papel. Várias das empresas que poderiam tocar as obras podem desaparecer do mapa se comprovadas que surrupiaram dinheiro público. Algumas delas, como a OAS, já estão em processo de recuperação judicial.

“Não podemos esquecer que a Odebrecht e a Andrade Gutierrez têm negócios que vão muito além da construção. Em termos de faturamento atual, a Odebrecht é a segunda do país, com quase R$ 110 bilhões. A Andrade atua em setores estratégicos, como a telefonia”, ressalta o mesmo ministro, com forte trânsito no Planalto. “O que quero dizer com isso é que estamos vivendo um momento particularmente terrível para o país. Quando olhamos para a frente, tudo está nebuloso. Não há rumo. Não sabemos o que vai acontecer”, acrescenta.

Técnicos do governo reconhecem que, em meio ao terremoto econômico, há o risco de a crise aberta pelo esquema de corrupção da Petrobras engolfar de vez o Planalto. Todo mundo sabe das fortes ligações da Odebrecht com o ex-presidente Lula. E Dilma, como ministra da Casa Civil, foi o braço direito do então chefe para definir obras que eram do interesse do governo. Se está fraca politicamente hoje, a presidente pode se ver numa situação insustentável caso Marcelo Odebrecht resolva contar tudo o que sabe.

Temor de Dilma

Integrantes do Planalto reconhecem que a limpeza na Petrobras e o desmonte do esquema de corrupção que sempre prevaleceu entre as empreiteiras são vitais para dar uma nova cara à economia brasileira, sempre pautada por negócios escusos e privilégios. Mas o custo para a atividade, que já está no limbo, será enorme. “Olhando para a situação hoje, posso dizer que a inflação será o menor dos problemas para o BC daqui por diante”, assinala um auxiliar da presidente. “Já ouvimos previsões de queda entre 3% e 4% do PIB neste ano e de até 1% em 2016, se o setor da construção entrar em colapso”, emenda.

O maior medo do governo é de que, com a Odebrecht e a Andrade Gutierrez entrando com tudo no alvo da Polícia Federal, as denúncias de corrupção resvalem para outras empresas estatais, a começar pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). As duas empreiteiras sempre andaram penduradas na instituição presidida por Luciano Coutinho. As críticas a essa relação resultaram, por sinal, em um recente ataque de nervos de Marcelo Odebrecht, que está atrás da grade. Ele enfatizou que os empréstimos do BNDES a seu grupo são legítimos.

Certamente, ninguém da cúpula do governo passará o fim de semana tranquilo. O que se prenuncia é uma recessão econômica brutal, que praticamente enterrará a principal promessa do ministro da Fazenda, Joaquim Levy: cumprir uma meta fiscal de 1,2% do PIB. Se antes do que se viu nesta sexta-feira — inflação de 0,99% em junho, queda de 0,84% na atividade em abril, fechamento de 115,6 mil postos de trabalho em maio e prisão de empreiteiros que se achavam poderosos demais — atingir tal objetivo era quase impossível, agora, só resta rezar para não se fechar o ano com deficit. Que herança maldita Dilma nos impôs.

Sinuca de bico

» Há muito tempo não se vê o Banco Central em uma situação tão difícil. A inflação não dá trégua, e a recessão da economia se aprofunda. A autoridade monetária já avisou que vai continuar subindo juros. Mas realmente fará isso com o país derretendo?

Decepção de Levy

» Joaquim Levy não imaginava que a situação do país pioraria tanto como se está vendo. Vinha dizendo a auxiliares que os primeiros sinais de retomada da confiança de empresários e consumidores começariam a despontar no horizonte muito brevemente.

Pior dos piores

» Dilma Rousseff corre o risco de se tornar a pior presidente da história republicana se o colapso econômico que se desenha se confirmar.

Brasília, 00h10min

Vicente Nunes