O teto da meta de inflação deste ano é de 5%, logo, a manutenção das altas na previsão de inflação é um é um sinal claro de que, mesmo com a alta de 1,5 ponto percentual na taxa básica da economia (Selic), de 9,23% para 10,75% ao ano, promovida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, na última quarta-feira (2), o mercado não acredita que o BC conseguirá cumprir o objetivo determinado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) pelo segundo ano consecutivo. Em 2021, o teto da meta era de 5,25%, mas o IPCA, que mede a inflação oficial, encerrou o ano com alta de 10,06%, praticamente o dobro da meta. A mediana das estimativas do mercado para a Selic no fim deste ano foram mantidas em 11,75%, mas vários analistas já estimam os juros básicos encerrando o ano acima de 12%. Não à toa, com a Selic voltando ao maior patamar desde maio de 2017 e os juros reais (descontada a inflação) projetados para o ano no topo do ranking global, o fantasma da recessão volta a rondar o país em um cenário em que a inflação não dá sinais de trégua devido à piora no cenário externo, com alta de juros dos bancos centrais dos países desenvolvidos e com o conflito entre Rússia e Ucrânia, que estão ajudando a pressionar o câmbio e os preços de commodities em geral.
“Não há um segundo de paz no campo inflacionário” e o IGP-DI (Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna) de janeiro divulgado na manhã de hoje pela Fundação Getulio Vargas (FGV) reafirma o desconforto na dinâmica de preços no Brasil. A variação do indicador em dezembro havia sido de 1,25%, mas em janeiro acelerou para 2,01%, acima das estimativas mediana do mercado”, destacou André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos. Ele lembrou que os vilões nos preços ao atacado, foram as commodities, principalmente, do minério de ferro, da soja e do milho, nos preços ao consumidor, os reajustes das mensalidades escolares. “Sabemos que o alívio nos preços dos combustíveis será muito transitório. O barril de petróleo continua em alta e irá criar ruídos internos”, alertou.
A projeção para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano foi mantida em 0,30%, mas para 2023, recuou de 1,55% para 1,53% – terceira redução consecutiva, refletindo o impacto inevitável da alta de juros –, ou seja, o PIB brasileiro dificilmente vai surpreender o mundo,como o ministro da Economia, Paulo Guedes, costuma prometer em suas falas. A certeza é que o país, em pleno ano eleitoral, deverá crescer pouco — se conseguir crescer – e, no ano que vem, continuará crescendo pouco.
Piora no cenário fiscal
Analistas da agência de classificação de risco norte-americana Moody’s também fizeram o alerta para os riscos dos juros mais elevados, apesar da aparente melhora dos dados fiscais, que apontaram queda na dívida pública bruta de 88% do PIB, em 2020, para 80% do PIB em 2021. “Apesar da menor carga de dívida, a taxa Selic mais alta aumentará a carga de juros do governo e desafiará seu equilíbrio fiscal, porque o custo médio de financiamento do governo segue de perto a taxa Selic”, destacou a agência, alertando para o fato de as pressões inflacionárias persistirem neste início do ano.
Vale lembrar que, conforme dados do Banco Central, para cada ponto percentual a mais na Selic, a dívida pública líquida, que exclui as reservas internacionais, cresce quase R$ 35 bilhões por ano. “Embora o forte desempenho fiscal em 2021 sustente o perfil de crédito do Brasil, esperamos que o peso da dívida volte a subir no próximo ano e um déficit primário retorne devido ao fraco crescimento”, acrescentou o relatório da Moody’s aos clientes. A agência prevê crescimento do PIB de 0,6% em 2022, “ligeiramente acima das expectativas do mercado de 0,3%”. “Como resultado do fraco crescimento, a agência espera um deficit primário de 1,6% do PIB, acima dos 0,4% registrados em 2021. “Além disso, a pressão de gastos antes das eleições de outubro de 2022 pode afetar negativamente os esforços de consolidação fiscal”, alertou.
Endividamento elevado
A confirmação da taxa básica de juros de volta ao patamar de dois dígitos está deixando o setor produtivo apreensivo por conta da piora dos custos. “O setor produtivo e o comércio estão preocupados com a alta da Selic, pois, se o Banco Central elevar os juros básicos acima de 12% ao ano, estará contratando uma recessão”, alertou o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes. “Com os juros em alta, o consumo tende a cair, porque o custo do crédito aumenta. O endividamento das famílias já é muito elevado e a tendência é de a inadimplência aumentar, porque a renda continuará encolhendo”, alertou Gomes, que a inflação em 6,5% no fim deste ano.
O ex-diretor do BC também alertou para endividamento elevado dos consumidores e das empresas. Pelas estimativas da CNC, chegou a 76,1% em dezembro, segundo maior percentual nos últimos 12 meses, e, portanto, com os juros subindo, a tendência é de a inadimplência voltar a crescer. “É a hora e a vez do sistema financeiro aplacar o problema da inadimplência, que não é bom para ninguém, vale notar. Nem os credores, nem os devedores, nem a economia podem se beneficiar de spreads bancários elevados, por exemplo, como já tivemos no passado. Hoje a realidade é mais favorável para as operações de crédito porque o spread foi reduzido e está controlado na economia brasileira. E com os juros mais altos, os bancos tendem a ganhar mais dinheiro, por isso precisam estar na linha de frente do combate à inadimplência”, afirmou Gomes em artigo publicado nesta segunda-feira no site Poder 360.