Sem reformas fiscais, país caminha para estagflação em 2022, diz MB

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ROSANA HESSEL

Com a pandemia de covid-19 dando sinais claros de que não era uma “gripezinha”, ultrapassando, com folga, a marca de 150 mil mortes no país, o governo não deverá avançar na agenda fiscal, que inclui reformas com redução de gastos obrigatórios, em pleno ano eleitoral.

Logo, o cenário mais provável que está se confirmando para 2022, na avaliação do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, é o do país caminhando para um quadro de estagflação, ou seja, de estagnação econômica com pressões inflacionárias. Para uma economia emergente, de renda média baixa e que já não consegue crescer de forma robusta desde a recessão de 2015 e 2016, esse cenário será desafiador e marcará uma volta ao quadro do fim da década 1970, que abriu caminho para a hiperinflação.

“Se, em 2021, não houver uma transformação radical no cenário fiscal, caminharemos para esse cenário de estagflação. Agora, tal cenário, em ano eleitoral, só vai colocar mais pressão em cima do presidente Jair Bolsonaro. Ele precisa articular rapidamente, no ano que vem, para conseguir melhorar a perspectiva futura para a economia e para a própria reeleição”, destacou Vale, em entrevista ao Blog.

No relatório da MB Associados divulgado nesta quarta-feira (14/10), Vale fez um alerta para esse cenário com base nos resultados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de setembro, que avançou 0,64%, na comparação com agosto, superando as previsões do mercado e sinalizando que as pressões inflacionárias puxadas pela alta dos preços dos alimentos, que avançam na casa de dois dígitos no acumulado do ano, ainda não é uma ameaça à meta de inflação de 2020, de 4%. Pelas projeções da MB, a inflação inflação oficial deve encerrar o ano em 2,5%, no piso da meta, passando para 3,1%, em 2021.

A redução do valor do auxílio pode ajudar a reduzir a inflação dos alimentos, de acordo com o economista. Ele lembrou que o país pode passar por um problema de falta de oferta, devido à fraqueza da economia.

Riscos fiscais

O sinal de alerta já está piscando com a piora do quadro fiscal, com ameaças à manutenção do teto de gastos, emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior. Uma delas é a falta de espaço no Orçamento de 2021 para o Renda Cidadã, novo programa social que Bolsonaro pretende criar para substituir o Bolsa Família, e que, para ser criado sem destruir o teto de gastos, precisaria de uma reforma que permita uma redução expressiva nos gastos obrigatórios, algo pouco provável em um ano eleitoral.

Pelos cálculos de Vale, se o Renda Cidadã custar R$ 250 por mês para 25 milhões de pessoas, os recursos anuais para manter o benefício serão de R$ 75 bilhões, a partir de 2021. As despesas discricionárias (não obrigatórias) previstas no Orçamento do ano que vem somam pouco mais de R$ 100 bilhões e não há espaço para cortes. Pelas estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI), um corte de R$ 20,4 bilhões nas despesas discricionárias “poderia comprometer o funcionamento da máquina, tomando-se por referência o nível mínimo requerido de discricionárias para não haver “shutdown” estimado pela entidade.

O senador Marcio Bittar (MDB-AC), diante da falta de recursos financiar o programa e também da falta de opções legais para que isso seja feito, adiou para depois das eleições a entrega da proposta do Renda Cidadã, que será incluído na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial (PEC 186/2019), que trata da regulamentação dos gatilhos no caso de descumprimento do teto de gastos.

Na avaliação de Sergio Vale, a taxa de câmbio vai depender essencialmente do cenário fiscal e, por conta da piora nas contas públicas, o dólar tem se valorizado a um ritmo de 10% ao ano desde 2018. “A piora sistemática do cenário fiscal tem sinalizado que a estabilidade macroeconômica corre riscos e, por isso, o real tem tem-se desvalorizado longo desse desse período”, alertou.

A MB prevê queda de 4,8% no PIB deste ano e crescimento de 2,2% em 2021, com o desemprego avançando em patamares recordes, passando de 14,2%, neste ano, para 16,8%, no ano que vem. A consultoria ainda estima que a dívida pública bruta chegando a 91,9% do PIB, em 2020, passando para 92,8%, do PIB, em 2021.

“Ainda temos deficit primário elevado ano que vem e crescimento baixo. O sentido é de crescimento da dívida, com todo o risco fiscal que isso traz, por exemplo, na curva de juros, que já começamos a ver crescer”, alertou Vale.

Vicente Nunes