Sem reforma administrativa, governo projeta que despesa com servidores chegará a 14,8% do PIB em 2030

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RODOLFO COSTA

Sem uma reforma administrativa, a proporção da despesa com servidores públicos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) chegará a 14,8% em 2030. Atualmente, esse percentual é de 13,6%. É o que aponta um relatório elaborado pelo Ministério da Economia. O Blog obteve acesso ao documento, intitulado Menos Máquina, mais Social — Governo justo, eficiente e fraterno, uma espécie de exposição de motivos e defesa à reforma administrativa em gestação pela equipe econômica.

O diagnóstico faz parte do chamado Plano mais Brasil — A Transformação do Estado, apresentado em 5 de novembro. O documento traz três grandes desafios: aumentar a capacidade de investimento do Estado e dar retorno para a sociedade; reduzir a complexidade e implementar uma gestão que coloque o serviço público na vanguarda; e aproximar o serviço público do cidadão, “uma vez que o Estado existe para servir à sociedade”.

Ao longo de 24 páginas, o relatório, baseado em dados de 2018, começa fazendo um “raio X” das despesas. É neste gráfico que se insere o primeiro dado. A equipe econômica expõe que a proporção das despesas com pessoal do setor público em relação ao PIB tende a saltar de 13,6% em 2018 para 14,8%, um aumento de 1,2 ponto percentual. “Quase 1/7 do que nosso país produz vai para pagar salários, benefícios e encargos da máquina”, destaca.

O documento faz comparativos da proporção dos gastos com servidores em relação ao mundo. A União Europeia, informa, gasta 9,9% do PIB com funcionários públicos. O Reino Unido gasta 8,9%. Os Estados Unidos, 9,5%. O Canadá, 12,4%. Economistas mais próximas com a brasileira, como México e Colômbia, desembolsam 8,4% e 7,3%, respectivamente.

“A despesa tem crescido a um ritmo forte (de 2012-18, média de 0,23 p.p. ao ano) e distante tanto de países-referência (Inglaterra e Canadá) quanto de países em desenvolvimento (México e Colômbia)”, destaca um trecho do diagnóstico. Em outro slide, a equipe econômica faz comparativos sobre o custo do Estado com a qualidade dos serviços prestados, sustentando que o tamanho estatal não justifica serviços melhores.

A equipe econômica reforça o argumento mostrando que a carga tributária brasileira corresponde a 32,2% do PIB, mas expõe que o Brasil lida com a 84ª taxa mais alta de mortalidade infantil, o 91º mais elevado índice de homicídio, está em 67º colocado na nota em matemática no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), e se enquadra em 154º lugar no ranking de maiores taxas de desemprego.

Capacidade de investimento

Ao destrinchar o “desafio I”, a capacidade de investimento, o Ministério da Economia sustenta que a curva de gastos reais — ou seja, já descontada a inflação — com a folha de pagamentos de empresas públicas federais saltou de R$ cerca de R$ 237 bilhões, em 2003, para aproximadamente R$ 350 bilhões em 2018.

Os investimentos, por sinal, subiram de R$ 50 bilhões para pouco mais de R$ 100 bilhões, de uma diferença de R$ 187 bilhões no início da curva para R$ 277 bilhões. “O forte crescimento dos gastos obrigatórios comprometeu a capacidade de investimento do Estado brasileiro. São menos obras de saneamento básico, menos estradas e pontes, menos saúde e educação”, sustenta um trecho.

Ainda no campo de capacidade de investimento, o governo reitera que, em 2018, as despesas com pessoal correspondiam a R$ 295 bilhões da Receita Líquida da União, ou seja, 24%. Em outro slide, reitera que 11 estados estão com os gastos com servidores maior que 60% da receita corrente líquida. Isso traz, no entendimento do governo, “dificuldades para honrar compromissos com seus servidores”. As despesas obrigatórias, frisa, sobe exponencialmente desde 2008, enquanto as despesas discricionárias desabam desde dezembro de 2014.

Redução da complexidade

Na exposição de motivos do desafio seguinte, o governo informa que a força de trabalho na administração pública federal saltou de 532 mil servidores, em 2003, para 712 mil, em 2018, o equivalente a um aumento de 34%. Nesse período, ressalta que a despesa com pessoal civil ativo subiu de R$ 44,8 bilhões, em 2008, para R$ 108,7 bilhões, em 2018. Uma alta de 242% no período. “Aumento da força de trabalho sem aumento correspondente na qualidade de serviço público”, analisa.

O governo sustenta, ainda, que, de 1970 a 2019, a quantidade de planos e carreiras na administração pública federal subiu 319%. “Mudanças orientadas para beneficiar a própria máquina, não para melhor servir à sociedade”, sustenta um trecho. O relatório comunica, ainda, que 15,5 mil servidores cuidam da folha de pagamento em um custo de R$ 1,6 bilhão por ano. E ressalta ainda existirem funções como chaveiro, discotecário, seringueiro, detonador, operador de telex, especialista em linotipos, hialotécnico, datilógrafo e operador de vídeo cassete.

Em outro slide, o relatório mostra a disparidade dos salários pagos no setor público em relação ao privado. Existem 440 rubricas de folha de pagamento, das quais 80% não encontram equivalência no privado. Dessa forma, destaca, 34% de toda a despesa com os salários não encontram equivalência com o pago pelas empresas.

A equipe econômica mostra, ainda, o que classifica como “amplitude remuneratória”, ao comparar a diferença salarial entre cargos de analista administrativo, que chega a variar entre cerca de R$ 13 mil e R$ 20 mil em agências reguladoras, com o pago a analistas técnico administrativos do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo (PGPE), que recebem entre R$ 5 e R$ 8 mil. “Atribuições similares, remunerações distintas; serviço público é desigual e distante da realidade do país.”

Aproximar do cidadão

O terceiro e último diagnóstico faz uma comparação entre o rendimento médio mensal nominal — ou seja, sem descontar a inflação — pago aos servidores ativos com trabalhadores do setor privado. Em 2002, a diferença era de R$ 2,5 mil, quando a média no setor público era de R$ 2.924, e no privado era de R$ 484. Em 2019, informa o relatório, essa diferença chegou a R$ 10 mil, com o governo pagando, em média, R$ 11.842, e as empresas, R$ 1.960.

A equipe econômica sustenta, ainda, que os servidores públicos federais têm um dos maiores prêmios salariais do mundo, ao mostrar comparativos com a Europa e Ásia Central, Sul da Ásia, África Subsariana, América do Norte, América Latina e Caribe, Leste da Ásia e Pacífico, Oriente Médio e Norte da África.

O documento enfatiza, ainda, que, na maioria das carreiras, o servidor chega ao topo em menos de 20 anos. Em apenas dois casos, sem detalhar quais, se ultrapassa a faixa dos 30 anos. Ao destrinchar as remunerações, a equipe econômica mapeou que mais de 500 “tabelas remuneratórias” obtiveram aumento real acima de 50% nos últimos 15 anos. Nesse mesmo período, 220 “tabelas” obtiveram aumento real acima de 100%.

Janela de oportunidade

No slide 24, o último, a equipe econômica sugere que a digitalização e a aposentadoria dos servidores reforçam a necessidade de discutir a reforma administrativa, atribuindo os fatores como uma “janela de oportunidade”. “Grande parte dos servidores se aposentará nos próximos anos, demandando replanejamento da força de trabalho”, destaca um trecho. Segundo a equipe econômica, 21% irão se aposentar até 2024. 42% se aposentarão até 2030. E 61% entrarão em inatividade até 2039.

A digitalização, por sua vez, é apontada pelo governo como indutor do aumento da “qualidade e velocidade”, “reduzindo gastos e necessidade de pessoal”. O relatório sustenta que, em 2019, mais de 450 serviços estarão disponíveis em formato digital. O processo de modernização sugere uma economia anual de R$ 351 milhões ao governo federal, R$ 1,3 bilhão ao “cidadão” e 83 milhões de horas do cidadão.

O governo faz uma associação com requerimentos físicos e digitais de serviços do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em abril, foram registradas 440 mil demandas físicas, contra 34 mil por meio digital. Em outubro, os pedidos físicos foram de 78,5 mil, contra 695 mil pelo modelo digital.

Vicente Nunes