Sem preocupação com a aposentadoria

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POR CELIA PERRONE

 

A estudante de psicologia Tayane Nunes, 22 anos, vive com os pais, faz estágio e o dinheiro que sobra, quando sobra, coloca na caderneta de poupança para fazer um mestrado fora do país. Ela diz que não procura outra aplicação por falta de conhecimento. “Não sei onde investir meu dinheiro. Não sei quais aplicações são seguras e duradouras”, conta. E, apesar das constantes alertas sobre o deficit da Previdência, que ameaça o sustento dos trabalhadores na velhice, ela nem cogita economizar para a aposentadoria. “Está tão longe ainda. Além disso, pretendo prestar concurso para a Polícia Militar. Meu pai e minha mãe são policiais e vão receber aposentadoria integral. Sei que tudo pode mudar até eu me aposentar, mas está muito longe da minha realidade”, afirma.

 

O desconhecimento de Tayane não é um caso isolado. Ela faz parte da chamada Geração Y, conhecida também como geração do milênio, ou millenials, que foi objeto da pesquisa “Geração Perdida: Motivando a Geração Y a fazer investimentos para a aposentadoria”, da Universidade de Cambridge e do banco BNY Mellon. Os pesquisadores entrevistaram 1.253 jovens entre 21 e 36 anos nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Holanda, na Austrália, no Japão e no Brasil e descobriram que os representantes desse grupo social mal sabem como começar a planejar a aposentadoria e nem sequer imaginam quanto teriam que poupar por mês para obter uma determinada renda no futuro.

 

A situação é mais grave no Brasil, onde metade dos entrevistados diz que não sabe e nem quer saber da possibilidade de receber menos benefícios que seus pais e avós. Nos países desenvolvidos, 77% dos jovens sabem que terão uma aposentadoria menos confortável que a das gerações anteriores, devido a fatores demográficos, políticos e macroeconômicos. Eles não têm conhecimento, no entanto, do que realmente o futuro lhes reserva, mas gostariam de ser alertados da “dura realidade” sobre suas finanças pós-aposentadoria. A pesquisa mostra ainda que as atitudes variam imensamente de país para país. No Brasil, apenas 48% dos integrantes da Geração Y estão interessados em conhecer a “dura realidade”, em comparação a 94% dos australianos.

 

Verdades

 

Para Paul Traynor, chefe internacional dos segmentos de Seguros e Previdência no BNY Mellon, o mais preocupante é que um terço dos jovens brasileiros não está disposto, “ou talvez não esteja pronto”, para ouvir a verdade sobre o próprio futuro financeiro, em comparação com apenas 12% nos outros países. Mas ele destaca que a falta de conhecimento não é exclusiva do Brasil e que mais de 70% dos jovens brasileiros sugeriram que fossem adicionadas aulas de educação financeira e investimentos ao currículo escolar.

 

“É o número mais alto no nosso levantamento. É evidente que há uma sede para a educação financeira, mas não encontram isso no meio do caminho”, frisa Traynor. Ele ressalta que, dao que os jovens brasileiros estão incitando para maior educação em torno de poupança e de investimentos, talvez eles sintam que uma abordagem pragmática e educacional seria mais eficaz e motivacional do que qualquer choque ou táticas de intimidação. “O qualitativo feedback que recebemos da Geração Y brasileira nos diz que ela está muito interessada no agora e tem dificuldade para se concentrar no futuro”, afirma.

 

Marxismo

 

Incluir educação financeira no currículo escolar é também o que defende o economista e especialista em previdência e finanças públicas Fabio Giambiagi. “No segundo ano do ensino médio deveriam ser ministradas aulas de educação financeira com ênfase em juros compostos e, no terceiro ano, um curso de educação previdenciária”, afirma. Ele credita a diferenças culturais, principalmente, o fato de os brasileiros não quererem saber sobre a realidade da aposentadoria, e destaca que, nos países asiáticos, o ensino da matemática é melhor do que no Brasil. “Aqui doutrinam a garotada com um marxismo de quinta categoria e ela cai na vida sem noções básicas para enfrentar o que realmente importa: como se preparar para os desafios financeiros”, critica.

 

A pesquisa descobriu que 61% dos brasileiros da Geração Y não recebem qualquer informação financeira por meio das empresas nas quais trabalham ou das instituições de ensino. “Os brasileiros dessa geração são menos propensos a serem contatados tanto pelas empresas em que trabalham como pelas instituições de ensino sobre questões financeiras do que em qualquer outro país pesquisado”, diz Adriano Koelle, chairman da América Latina no BNY Mellon.

 

Tecnologia pode ser aliada da informação

 

A pesquisa da Universidade de Cambridge e do banco BNY Mellon que investigou os hábitos e expectativas financeiras dos millenials ressalta que 60% dos brasileiros incluídos nessa categoria estimam o tamanho do fundo de que necessitarão para a aposentadoria arriscando palpites em vez de se basearem em dados estatísticos e matemáticos. Mas Paul Traynor, chefe internacional dos segmentos de Seguros e Previdência no BNY Mellon, diz que um fato chamou a atenção no levantamento: os entrevistados brasileiros pareciam muito mais propensos do que jovens de outros países a se envolverem nesses cálculos utilizando tecnologia.

 

“Os brasileiros forneceram as respostas mais altas na nossa pesquisa através de redes sociais e também são os que mais desejam gerenciar a poupança de longo prazo por meio de um aplicativo. Isso é algo de que serviços financeiros e provedores devem tomar nota ao considerar a melhor forma de se envolver com este público”, recomenda Traynor.

 

Uma iniciativa para ajudar esse público a criar estratégias de poupança foi desenvolvido pelo economista Fabio Giambiagi, autor e coautor de mais de 25 livros sobre a economia brasileira, sendo quatro referentes a temas previdenciários, e pelo professor do Departamento de Engenharia Eletrônica e de Computação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Sérgio Villas-Boas. O site www.pensione21.org pretende ajudar as pessoas a se prepararem melhor para o futuro, por meio de um planejamento adequado que lhes permita chegar à idade de aposentadoria em situação financeira condizente com a da vida ativa.

 

O site disponibiliza simuladores, em forma de tabelas, que permitem comparar várias situações, oferecendo um conjunto de possibilidades de rentabilidade de aplicações financeiras. “É um site para aprender brincando, ao mesmo tempo que fornece parâmetros onde a pessoa pode parar, pensar e decidir o que é melhor para ela”, diz Giambiagi. “Suponha uma mulher de 30 anos, filha única de pais com mais de 70 anos, que será herdeira do único imóvel deles, de R$ 800 mil. Ela pode se dar ao luxo de não poupar, mas se fizer algumas simulações no site, vai perceber que R$ 800 mil não é de se jogar fora, mas também não dará para fazer grande coisa”, explica.

 

Para Sadia Cuthbert, chefe de Desenvolvimento de Negócios na Cambridge Judge Business School, os jovens precisam ser regularmente contatados por meio de múltiplos canais. “Sem uma nova abordagem, enfrentamos um risco real de que a Geração Y se torne a Geração Perdida — tanto para o setor de serviços financeiros como em termos de sua própria preparação para a aposentadoria”, salienta.

 

Brasília, 10h10min