ROSANA HESSEL
Enquanto operadores do mercado de ações aproveitam o bom momento do cenário externo, com os avanços da vacina contra a covid-19 e com a expectativa de um novo pacote fiscal dos Estados Unidos, os riscos fiscais não desapareceram, apesar de estarem sendo ignorados por aqueles que não botam na conta o fato de Orçamento de 2021 não ter sido aprovado pelo Congresso ainda e ter muito mais problemas do que eles imaginam e pode comprometer a expectativa de retomada mais forte da economia no ano que vem.
Pelos cálculos do economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Leal de Barros, o governo precisará cortar R$ 26 bilhões de gastos obrigatórios em 2021 para cumprir o teto de gastos, mesmo sem a prorrogação do auxílio emergencial. “O governo tem que cortar R$ 26 bilhões, em 2021, e R$ 9 bilhões, em 2022, mesmo sem programa social novo”, afirmou, em entrevista ao Blog.
Segundo Barros, parte importante do corte de gastos requerido para cumprir o teto em 2021, decorre do avanço de gastos obrigatórios devido ao descasamento das taxas de inflação utilizadas para corrigir a regra fiscal (de 2,13%) e mais da metade do gasto obrigatório sujeito ao teto estar apresentando correção acima de 5%. Além disso, a expansão de gastos com militares, em mais R$ 7 bilhões, e dos elevados gastos com precatórios e sentenças judiciais, de aproximadamente R$ 50 bilhões, também contribuem para o aumento da pressão sobre a âncora fiscal.
O dado faz parte do relatório “O Desafio de Consolidação Fiscal da Política Fiscal no Brasil”, elaborado por Barros para os clientes da RPS Capital. Ele apontou os problemas fiscais como uma das travas para o crescimento da economia no ano que vem e comparou o desequilíbrio fiscal “como o principal desafio do país assim como a hiperinflação esteve entre as décadas de 1980 e 1990”.
O teto de gastos, na avaliação do especialista em contas públicas, foi importante, para que o governo conseguisse reagir de maneira contundente e muito acima da média dos demais países emergentes à pandemia e nova crise de covid-19. “Gastamos mais de 8% do PIB (Produto Interno Bruto) para combater esta crise, muitíssimo acima da média de quase 3,5% dos países emergentes e de renda média”, comparou.
Na avaliação de Barros, a perspectiva de, no princípio de 2021, ter uma vacina, dá confiança para a retomada da agenda de reformas econômicas iniciadas há cinco anos. “Não é hora de experimentalismos na área econômica e de soluções criativas, muitas vezes mais fáceis e tentadoras, sob o risco de motivarmos uma nova década perdida”, alertou. Segundo ele, a indefinição e “certa hesitação que parece advir da economia política para retomar a agenda econômica” vem produzindo deteriorações importantes, “tanto por meio da inclinação da curva de juros, dificuldade de rolagem de títulos públicos pelo Tesouro Nacional quanto pela piora do perfil da dívida pública”.