ROSANA HESSEL
Enquanto o Brasil continua atrasado para o início de um programa de vacinação e o estado do Amazonas sofre novo colapso no sistema de saúde, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que criticou nas redes sociais o “negacionismo de líderes partidários” como motivo para o caos em Manaus, segue engavetando pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro.
Até esta sexta-feira (15/01), conforme dados da Secretaria-Geral da Mesa da Câmara acessados pelo Blog, foram protocolados 61 pedidos desde fevereiro de 2019. Quatro deles foram arquivados e duas novas denúncias foram realizadas neste ano e estão sob análise junto com outras 55.
Maia não comenta o assunto, mas criticou o governo nas redes sociais sobre a crise no Amazonas. “A falta de oxigênio em Manaus, o atraso na vacina, a falta de coordenação com estados e municípios, é resultado da agenda negacionista que muitas lideranças promovem”, escreveu o Maia, ontem à noite, nas redes sociais. Em outra postagem, defendeu a volta dos trabalhos do Legislativo “na semana que vem”.
“Cereja do bolo”
Apesar de Bolsonaro tentar se isentar da responsabilidade do colapso da saúde no Amazonas, esse episódio é a “cereja do bolo” para coroar os motivos, que não faltam, para que o presidente sofra um processo de impeachment, na avaliação do advogado e especialista em direito constitucional Ricardo Pantin, que critica a falta de coordenação do Ministério da Saúde na condução da crise provocada pela pandemia.
“A situação em Manaus é dramática. Leitos de hospitais lotados e os que vagam não tem oxigênio. Pessoas morrem sufocadas aos montes. A ausência dessa coordenação gerou um caos nos estados e municípios, daí que é acertado sustentar, não bastasse os inúmeros pedidos de impeachment protocolados na Câmara contra Bolsonaro por diversos crimes de responsabilidade que ameaçam as instituições, a democracia e a soberania”, afirmou. Para ele, mais do que legítimo, “é urgente seja o presidente impedido, sob pena de multiplicarem-se exponencialmente o número de mortes, com evidente prejuízo do direito à vida, constitucionalmente assegurado e que está o Presidente a violar de forma sistemática e deliberada”.
O especialista lembrou que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes também criticou, recentemente, falta de coordenação do Ministério da Saúde e a presença de militares na pasta. “Não é aceitável que se tenha esse vazio. Pode até se dizer: a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a Estados e Municípios. Se for essa a intenção é preciso se fazer alguma coisa. Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”, apontou Mendes em uma videoconferência.
Na avaliação do especialista, Bolsonaro, além de afastado, precisa ser investigado “por crimes contra a humanidade” tanto tanto pelo Tribunal Penal Internacional quanto pela Justiça Brasileira, considerando o que prevê o art. 7º, “b” do Estatuto de Roma. “Estamos diante do crime de extermínio que se configura pela sujeição intencional a condições de vida que podem causar a destruição de uma parte da população”, afirmou. “Digno de nota é que não se trata de incompetência do governo, como muitos têm afirmado, mas de uma política deliberada de extermínio de parte da população, o que deixa os outros pedidos de impeachment protocolados junto à Câmara na “soleira”, adicionou.
De acordo com Pantin, os crimes cometidos pelo presidente da República “alcançaram patamares antes não imaginados por qualquer governo, independente de sua linha ideológica ou plataforma político-partidária”. “A crise sanitária pela qual passa o Brasil não é uma pauta nem de direita nem de esquerda. Não se trata de política e sim de vidas humanas”, complementou.
Vale lembrar que, em dezembro de 2015, quando abriu processo de impeachment contra Dilma Rousseff, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tinha recebido 34 denúncias contra a petista, e a perícia apontou que, no caso dela, “não houve crime de responsabilidade”, de acordo com Pantin.
Novos pedidos em 2021
Das 61 denúncias contra Bolsonaro por crimes de responsabilidade protocoladas na Câmara, duas foram realizadas neste ano. A primeira, feita em 11 de janeiro, foi assinada pelos deputados Gleisi Hoffmann (PT-PR), Enio Verri (PT-SP), Rogério Correia (PT-SP) e Dep. Rui Falcão (PT-SP).
No requerimento, os petistas apontam crime de responsabilidade de Bolsonaro por atentar contra a moralidade exigida pelo cargo que ocupa, como também contra a República Federativa e o Estado Democrático de Direito, ao afrontar a memória daqueles que perderam suas vidas e sofreram com o período da Ditadura Civil-Militar de 1964. O pedido denuncia a apologia à tortura desferida à ex-presidente Dilma Rousseff e ao pai do presidente da Organização dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz e ainda cita que, entre os meses de março e maio de 2020, a conduta do presidente “foi incompatível com o livre exercício do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, quando apoiou e auxiliou a convocação de manifestações populares, cuja pauta era o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, a intervenção militar e o restabelecimento do conteúdo do Ato Institucional nº 5”.
A segunda denúncia, protocolada ontem, foi feita pelo deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) que aponta crime de responsabilidade de Bolsonaro por desrespeitar a Constituição ao alegar que o TSE e o Congresso Nacional estão apurando a ilicitude da campanha eleitoral do denunciado a partir da verificação de elementos contundentes de prova de disparos em massa pelo WhatsApp, o que, se comprovado, configura abuso de poder eletrônico, viciando a vontade do eleitor e desequilibrando a disputa. “Ademais, alega que seu governo vem provocando instabilidade política, impedindo o avanço do Brasil e colocando em risco o Estado democrático de Direito, e cita que a conduta do Presidente é desrespeitosa em relação às mulheres, passando ainda por injúrias raciais e sexuais”, acrescentou o documento.