RISCO DO OPORTUNISMO

Compartilhe

Técnicos da agência de classificação de risco Moody’s, que desembarcam hoje em Brasília, vão encontrar um governo dividido em relação ao ajuste fiscal. Os ministérios da Fazenda e do Planejamento já não se entendem mais sobre qual será a meta de superavit primário deste ano, explicitando a fragilidade da promessa feita pela presidente Dilma Rousseff, logo depois da reeleição no ano passado, de arrumar as finanças do país. Antes mesmo de as divergências entre Joaquim Levy e Nelson Barbosa se tornarem públicas, a equipe econômica já temia pela rebaixamento do país pela Moody’s. Não há dúvidas de que alcançar a meta de superavit primário (economia para pagamento de juros da dívida) de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano será muito difícil. Mas não dá para compreender por que, passados apenas seis meses do segundo mandato, o governo já demonstra a sua incapacidade de fazer o ajuste fiscal. Promover mudanças num ponto crucial do processo de reconquista da confiança só aumenta o risco de o Brasil perder o selo de bom pagador, agravando a crise econômica que resultará na maior recessão em pelo menos 25 anos. Desde o início, a meta de superavit anunciada por Levy esteve envolta em desconfiança, não apenas pelo tamanho, uma vez que o país vem de um deficit de 0,6% do PIB em 2014, mas pela marca de gastadora que Dilma imprimiu à sua administração. Técnicos graduados do governo e analistas do mercado puseram em dúvida o real compromisso da presidente com o ajuste. Contudo, pagaram para ver. Com o passar dos meses, porém, o governo passou a emitir sinais dúbios sobre o arrocho. Uma hora, reforçava o compromisso de entregar a meta de 1,1% do PIB. Outra, indicava que poderia reduzir o objetivo. Essa dubiedade acabou por favorecer a aprovação, pelo Congresso, de projetos que ampliam os gastos, como o reajuste do Judiciário e a vinculação de aposentadorias à correção do salário mínimo. Agora, surge a proposta do Planejamento de criar bandas de flutuação para o superavit primário, de acordo com os ciclos econômicos do país. Em períodos em que a economia estiver crescendo mais, o governo fará uma poupança maior. Nas fases de dificuldades, o saldo poupado diminuirá. A ideia é aceitável, mas não num momento em que o Brasil precisa tanto reconstruir a credibilidade. A proposta deveria ser lançada em tempos de forte expansão econômica, não quando se torna conveniente para justificar um fracasso. Quadro de horror O governo sabe que terá de dar muitas explicações à equipe da Moody’s. Levy, para tentar atenuar o clima, movimentou-se o quanto pode nos últimos dias para reforçar a visão de que o compromisso com a meta está mantido. O problema é que o ministro da Fazenda está cada vez mais isolado dentro do governo. A ala petista que transita no entorno da presidente Dilma — e dela faz parte Nelson Barbosa — está se aproveitando disso para dar um novo rumo à política fiscal. Pela classificação da Moody’s, o Brasil está dois degraus acima do grupo de países não recomendáveis para investimentos. Se for rebaixado agora, ainda estará apto a receber recursos que o governo conta para deslanchar o programa de infraestrutura. Ninguém, no entanto, acredita que o país conseguirá atrair grandes volumes de capitais estando com a imagem tão arranhada. Os investidores não brincam em serviço. Mesmo que o governo cumpra, integralmente, o superavit de 1,1% do PIB neste ano, a dívida pública, que está em 62,5% do PIB, continuará subindo. Se houver a redução da meta deste ano para algo próximo de 0,5%, como prega o Planejamento, a situação ficará ainda pior. E não será diferente em 2016, com a diminuição do superavit de 2% para 1% do PIB. O quadro fiscal do Brasil é assustador. Nem as maquiagens dos últimos anos conseguiram dar uma feição melhor aos números. Portanto, não é recomendável que o governo abra brechas para aventuras. Caso, no fim do ano, realmente o cumprimento da meta fiscal se torne impossível, que explique, com todas a letras, o que ocorreu. A verdade soará muito melhor do que ajustes oportunistas.  Dealers suspeitos » O Sindicado Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal) questiona o fato de seis dos 15 bancos investigados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por manipulação no câmbio, ainda continuarem operando em nome da autoridade monetária no mercado. Essas instituições são chamadas de dealers. Ptax pode ser irreal » Os seis bancos suspeitos que representam o BC são: JP Morgan, HSBC, Morgan Stanley, Bank of America Merrill Lynch, Credit Suisse e Citibank. Todos os dias, pela manhã, o BC consulta essas instituições sobre os preços do dólar. A partir daí, o BC forma uma taxa média, a Ptax, usada para contratos de importação e exportação. Resposta do BC » O BC informa, por meio de sua assessoria, que, no uso de suas competências legais, está mantendo interlocução com o Ministério Público e o Cade, visando à atuação coordenada, sobre o processo de manipulação no câmbio. Mas não se manifestará a respeito, por se tratar de assunto protegido por sigilo legal.

Brasília,11h45min

Vicente Nunes