“Ricardo não vai virar estatística”, diz Fabrícia, viúva de morto em acidente

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A dor é dilacerante, mas Fabrícia Gouveia, 48 anos, não vai entregar os pontos. Pelo contrário. Ela está disposta a transformar a tragédia que tirou a vida de seu marido, Ricardo Clemente Cayres, 46, e da mãe dele, Cleusa, 69, em uma luta contra a impunidade. Ricardo e Cleusa morreram na noite de domingo, 30 de abril. Eles estavam indo para casa depois de uma confraternização em família. O Fiesta vermelho no qual estavam foi atingido em cheio na traseira. Os dois morreram na hora. O veículo responsável pelo acidente, segundo testemunhas, participava de um racha com mais dois carros. Os motoristas, conforme agentes de trânsito, mostravam sinais de embriagues.

Fabrícia sabe que precisará juntar todos os cacos para se reconstruir. O desejo de Justiça será seu grande sustentáculo. “Ricardo não vai virar estatística. Não é possível que pessoas que destroem famílias de forma tão violenta fiquem impunes”, afirma. A revisora de textos que atua no Banco Central vai levar até o final a sua luta para provar que o marido e a sogra foram vítimas de um crime sem perdão, provocado “por pessoas irresponsáveis, que apostam na impunidade para ficar livres”.

Nesta terça-feira, 2 de maio, foi dia de Fabrícia cremar os corpos do marido e da mãe dele. Só se manteve de pé graças ao apoio que vem recebendo de amigos e familiares. Desde a última vez que viu Ricardo, pouco antes do acidente, a vida tem sido uma batalha que parece impossível de ser vencida. Ele havia feito uma promessa a ela pouco antes de entrar no Fiesta, com o qual deixaria a mãe em casa. “Nega, me espera que volto pela te buscar. Te amo”. Ricardo não voltou, nem voltará mais.

Dois pesos, duas medidas

Até ver Ricardo, já morto, foi uma caminhada desumana para Fabrícia. Ela chegou ao Instituto Médico Legal (IML) às 11h de segunda-feira, 1º de maio. Estava tudo certo para que o corpo do marido fosse liberado rapidamente. A burocracia, no entanto, fez questão de lhe dilacerar o que ainda restava de seu coração. Foi obrigada a percorrer o mundo da burocracia, Defensoria Pública, Ministério Público, Justiça, cartório. Às 19h, ainda não havia conseguido ver o marido desde a promessa que ele havia lhe feito. A cada questionamento, ouvia que faltava alguma informação ou mais um carimbo. Somente antes das 20h, ou seja, nove horas depois de tanto sofrimento, conseguiu levar o corpo de Ricardo para a última despedida.

Enquanto Fabrícia enfrentava o martírio da burocracia e do desrespeito, dois dos acusados de terem provocado a tragédia que tirou as vidas de Ricardo e da mãe dele, Cleusa, estavam  livres para decidir a que horas dariam depoimento ao delegado responsável pelo caso, Ataliba Neto. Isso mesmo, o advogado Eraldo José Cavalcante Pereira, 34, e o bombeiro Noé Albuquerque Oliveira, 42, tinham a prerrogativa de escolher onde e quando prestariam contas à polícia. Mais que isso: voltaram à rotina e caberá ao poder público encontrar provas para incriminá-los.

Fabrícia e Ricardo, que era design gráfico, se conheceram no Banco Central, onde os dois trabalhavam. Foi amor à primeira vista. Logo começaram a namorar. Um ano depois, estavam casados. Os planos mais recentes deles eram de comprar ou mesmo construir uma casa. Sábado, 29, um dia antes da tragédia, Fabrícia e Ricardo haviam pesquisado muitos imóveis. Já tinham em mente o que queriam. Todos esses sonhos foram destruídos na noite de domingo, por volta da 19h30, quando o carro dirigido por Eraldo Pereira atingiu em cheio  o Fiesta que levava Ricardo e Cleusa.

Brasília, 13h01min

Vicente Nunes