POR PAULO SILVA PINTO
Para vencer os 170 km entre o Rio de Janeiro e sua casa de praia em Búzios, o economista José Márcio Camargo costumava levar, nas noites de sexta-feira, pouco mais de duas horas em 2009, quando o Brasil estava mergulhado em uma recessão. No ano seguinte, com a forte recuperação do país, o trajeto ganhou mais meia hora. Mais um ano, e já estava em quatro, quase o dobro do tempo inicial. Mas a partir de 2014 o tempo começou a se reduzir. Já está em 2h30 novamente.
O prosaico indicador do caminho para Búzios é tão eloquente quanto outros, resultantes dos modelos sofisticados com que Camargo lida como economista-chefe da Opus Investimentos e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio): o Brasil vai se aproximando do fundo do poço. Uma hora, voltará a crescer. “O país não acaba”, explica. O problema é saber quando será a retomada. “Podemos ficar anos nesta situação”, avisa.
A opinião é compartilhada por muitos analistas na academia e no mercado. Eles veem poucas chances de a recuperação aparecer logo que a economia encoste na base, como em um gráfico em V, com uma forte guinada para cima. A tendência está mais para um U, com maior período próximo do piso. Os mais pessimistas veem até mesmo um desenho em L, com duradoura estagnação. A lista de fatores negativos incluem a dificuldade do governo de equilibrar as contas públicas, sobretudo por pressões políticas; a resistência da inflação decorrente, em parte, da situação fiscal e de fatores climáticos; e a elevação da incerteza global com a decisão dos eleitores do Reino Unido de retirar o país da União Europeia.
Um dos principais argumentos que apontam para a retomada em breve é a existência de capacidade instalada ociosa nas empresas, algo visto com reservas por Camargo. “Muitos investimentos realizados nos últimos anos foram inúteis, não vão servir para nada”, diz ele citando, entre outras, obras caríssimas da Petrobras, como a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Além do desperdício com propina, grande parte do que foi transformado em concreto e equipamentos corre o risco de ir para o ralo, pois não atende a necessidades reais de produção.
Endividamento
Outro problema que Camargo identifica é que, diferentemente dos períodos anteriores de recessão, desta vez, os consumidores estão muito endividados. Diante da perspectiva de perder o emprego, relutam muito em tomar novos empréstimos para consumir. Da população ativa, 11,2% estão na rua. O número deve atingir 13% até o fim do ano e então se estabilizar. “Diminuir só será possível um ano mais tarde, se a inflação realmente for controlada”, avisa.
O economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, compartilha da preocupação de Camargo quanto à velocidade de recuperação da economia brasileira. Não tanto, porém, pelo endividamento das famílias. Ele ressalta que, embora a proporção seja alta para padrões históricos, com comprometimento próximo de metade da renda das família nos últimos 12 meses, é pouco para padrões internacionais. “Em países desenvolvidos e na China, é bem mais”, nota. O endividamento de longo prazo, principalmente com a casa própria, é responsável por metade dos compromissos dos brasileiros. Assim, a parte comprometida realmente com as compras é reduzida.
O aumento da confiança entre consumidores e empresários é um sinal extremamente positivo, na avaliação de Nóbrega. Mas ele ressalva que os entraves da economia brasileira são significativos, portanto não vê recuperação da plena capacidade de crescimento do país em menos de cinco anos. “Está mais para um gráfico em U mesmo”, avisa. Ele chama a atenção para os elevados custos de transação, que atrapalham os negócios, e só poderiam ser resolvidos com mudanças profundas no sistema de impostos e na legislação trabalhista.
Esses fatores, aliados à baixa qualificação da mão de obra, fazem com que o trabalhador brasileiro tenha apenas 20% da produtividade de um norte-americano. Melhorar isso exigiria avanços na educação, algo que vai demorar para surtir efeito. “Não basta aumentar a cobertura da educação básica e o número de pessoas no ensino superior. É preciso melhorar muito a qualidade. No Brasil há muita gente que só está atrás do diploma, não de aprender de fato”, critica Maílson.
Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio e ex-diretor do Banco Central (BC), concorda com a visão de Maílson sobre o espaço para endividamento dos consumidores e o fato de que os indicadores de confiança estão melhorando. Ele vê a possibilidade de recuperação significativa no próximo semestre. “Normalmente, é um período mais favorável. Muitas pessoas vão receber metade do 13º salário agora, e estarão mais dispostas a consumir”, avisa.
Juros
As declarações do presidente do Banco Central, Ilan Goldjan, de que o objetivo da autoridade monetária é chegar à inflação de 4,5% já no próximo ano divide especialistas. Enquanto Freitas Gomes, da CNC, acredita que teria sido melhor que o BC admitisse um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) entre 5% e 5,5% — para abrir espaço maior para a queda da taxa básica de juros (Selic) —, José Márcio Camargo, da Opus, considera acertada a decisão de Ilan. A convergência rápida ao centro da meta de inflação, diz, é importante para que sobre uma parcela maior da renda às famílias, o que lhes permitirá voltar a ampliar o consumo.
Brasília, 05h30min