“Quem fugir do debate vai perder”, afirma Maílson da Nóbrega sobre as eleições

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ROSANA HESSEL

Em meio ao clima polarizado para as eleições deste ano com as pesquisas apontando a liderança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL) nas intenções de voto, o economista e sócio da Tendências Consultoria Maílson da Nóbrega acredita que o debate durante a campanha poderá ser decisivo no resultado das urnas em outubro.

“Eles não têm como fugir desse debate. Quem fugir vai perder. Você pode fugir do debate no primeiro turno. No segundo, não”, frisa o ex-ministro da Fazenda ao citar os dois líderes nas pesquisas que já avisaram que não pretendem participar dos debates. “Nenhum dos favoritos conseguirá, a meu ver, fazer um bom governo”, avalia.

Maílson descarta o risco de golpe e afirma que não vê chances de o atual presidente vencer nas urnas neste ano, apesar do pacote fiscal de R$ 41,2 bilhões de benefícios que começam a ser pagos nesta semana, devido à elevada rejeição, acima de 60%. “Bolsonaro tem tido uma capacidade impressionante de perder apoio”, frisa. Para ele, Bolsonaro deve subir um pouco nas pesquisas e o Lula pode estagnar, mas dificilmente isso reverte o favoritismo do candidato petista.

O ex-ministro demonstrou indignação em relação ao fato de Bolsonaro, na contramão da liturgia do cargo, ter convocado embaixadores de mais 70 países para falar mal do país e do Supremo Tribunal Federal (STF). “Um presidente, para liderar um país, deve ser uma fonte de previsibilidade, uma fonte de segurança, um farol para sinalizar os passos futuros do país e do governo. Bolsonaro é um criador de crises”, destaca Maílson. Para ele, “o Brasil não pode ficar mais quatro anos com Bolsonaro”.

Maílson assinou, no domingo (7), a carta em defesa do estado democrático organizada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), que tem quase 800 mil assinaturas.  “As instituições estão sendo postas à prova. O Bolsonaro está prestando um serviço ao país nesse campo. Ele provocou e as instituições responderam”, acrescenta.

Ao contrário das declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, Maílson não vê a economia decolando e ainda avalia que o quadro fiscal está “muito frágil e periclitante”.  “Como é que um país que o país decola se vai cair a taxa de crescimento no próximo ano?”, questiona. “É um avião que levanta voo e despenca”, emenda. Pelas projeções da Tendências, o Produto Interno Bruto (PIB) do país deverá crescer 1,7%, neste ano, e, no ano que vem, desacelerar para 0,4%.

A seguir, a versão ampliada da entrevista de Maílson concedida ao Correio Braziliense publicada na edição desta segunda-feira (08/08):

As eleições deste ano estão chegando e estão bastante polarizadas, como o senhor avalia a corrida presidencial?

Olha, a menos que haja a atuação do Sobrenatural de Almeida, um personagem do teatrólogo Nelson Rodrigues, que é aquela figura que aparece e muda o jogo, ou seja, o surpreendente, tudo indica que Lula ganha. Bolsonaro tem tido uma capacidade impressionante de perder apoio. Em 2018, o Sobrenatural de Almeida foi a facada. Lá na Tendências, achamos que Bolsonaro vai subir nas pesquisas e o Lula pode estagnar, mas dificilmente isso reverte o favoritismo de Lula. O que pode acontecer a outra coisa a gente acha que não decide no primeiro turno.

Mas, em um eventual segundo turno, Bolsonaro não pode virar o jogo?

Acho que não. Bolsonaro tem uma rejeição de mais de 60%. Nenhum presidente se elegeu no Brasil com mais de 40% de rejeição.

Mas Lula tem 40% de rejeição…

Exatamente. O desafio dos dois, mas é mais do Bolsonaro do que do Lula, é reduzir a rejeição. A experiência mostra que a rejeição do candidato a presidente é um dos fatores mais determinantes do resultado das urnas. Acho que uma parcela expressiva de beneficiários do Auxilio Brasil (programa que deu lugar ao Bolsa Família) vai votar no Lula. No Nordeste, há uma identidade muito profunda desses beneficiários com o Lula. Passaram por situações semelhantes, como problema com o pai, pobreza, fome e o Lula sabe falar a linguagem desse eleitor. Além disso, tem uma coisa também curiosa: o governo não conseguiu mudar todos os cartões. Então, uma parte do pessoal do ação emergencial tá usando ainda o cartão com o nome Bolsa Família. E, na reta final, ainda podemos ter o processo do voto útil. Muitos brasileiros ainda têm a ideia de que não podem perder o voto.

Existem muitas pessoas que preferem votar contra Bolsonaro e tudo o que ele representa em termos de retrocesso no país …

Então, o Brasil não pode ter mais quatro anos no Bolsonaro. Ele já demonstrou que não sabe governar, que não entende como funcionam as instituições, não tem o maior apreço pela liturgia do cargo. E, toda semana, tem uma declaração incrível. Por exemplo, o Bolsonaro diz que está rezando para o Brasil continuar um país cristão. O Estado é laico. Como ficam os muçulmanos, os judeus, os xintoístas, os indus? O presidente é presidente de todos os brasileiros. Ele não pode manifestar preferência por uma religião, ainda que ele exerça essa religião.

Bolsonaro ainda insiste que não existe corrupção no governo dele…

Vai ter que provar. Não tem nenhum governo que não seja corrupto. A corrupção no setor público nunca foi extirpada Os Estados Unidos condenam por corrupção do setor público, em média 1.100 pessoas por ano. Outra coisa que ele falou na semana passada foi que a lei é feita para proteger a maioria.  A lei é para todos. Na verdade é o oposto. E se a lei tiver alguma função em termo de grupo é para proteger a minoria. Para proteger do arbítrio, do despotismo, do uso da máquina pública.

Mas já tem escândalo de corrupção no Ministério da Educação, houve denúncias de desvios de recursos da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), envolvendo o orçamento secreto, que é outra aberração…

Exatamente. Ninguém jamais imaginou que haveria orçamento secreto no Brasil. Existe uma divisão de funções no Orçamento. O Poder Executivo elabora, o poder legislativo aprecia e aprova e, na continuidade, ao poder Executivo executa. No orçamento secreto, quem executa o Orçamento é o parlamentar. Isso não tem em canto nenhum do mundo. É ele quem diz pra onde deve liberar o dinheiro. O orçamento secreto é uma degradação do processo orçamentário. E, certamente, contém um enorme potencial de corrupção. Sem contar o que vai gerar de má alocação de recursos, desperdício. Mas o Bolsonaro está satisfeito, diz que o Congresso tá feliz com ele e tá mesmo. No ano que vem, o orçamento secreto (neste ano, de R$ 16,5 bilhões) vai ser mais de R$ 19 bilhões e será maior do que hoje gastos discricionários do governo federal para financiar ciência, tecnologia, infraestrutura e cultura.

Já houve três episódios de contingenciamento do Orçamento deste ano sob a desculpa de respeitar o teto de gastos. Mas o teto, considerando o que o governo tem sinalizado, a regra do teto já foi destruída, pois apenas a PEC Eleitoral criou um extra teto de R$ 41,2 bilhões….

É uma contradição impressionante. O ministro acha que temos uma situação fiscal sólida.

O senhor concorda com ele?

Não. Ninguém concorda. Quem conhece o mínimo da área não concorda. Pelo contrário, a situação orçamentária é muito frágil. A situação fiscal é muito frágil e periclitante. O país pode desandar se não resolver o problema do ano fiscal.

Guedes tem uma máxima no discurso de que vai encerrar o mandato com uma despesa menor, em relação ao PIB, do que recebeu. Isso é uma prova que o fiscal melhorou ?

Isso não foi esforço do governo. Eu diria o seguinte: não decorreu do esforço fiscal do governo. Pelo contrário, o governo fez tudo para piorar e essa diminuição decorre do que ainda restou do teto. Também decorreu de três anos sem reajuste de salário e funcionário público e do calote dos precatórios.

Aliás, essa dívida judicial foi empurrada para debaixo do tapete e pode virar uma bola de neve…

Ela não entra na conta e ninguém mais está vendo. Então, o governo entrega uma situação fiscal com gasto em relação ao PIB um pouco menor por conta de manobras fiscais e não de um esforço para uma consolidação fiscal. O ministro Paulo Guedes vive em um mundo paralelo.

Mas ele foi bastante aplaudido pela plateia da Expert XP, em São Paulo…

Tem muito bolsonarista no mercado financeiro, onde é natural bater palmas. É raríssimo o caso em que alguém do mercado financeiro fala mal do governo. E quando fala, é demitido. O ministro falou diante de convertidos ou de gente que prefere aplaudir o governo do que criticar. Faz parte do ambiente.

O ministro estava incomodado por não fazer a reforma do Imposto de Renda. Mas ele não chegou a apresentar uma proposta completa de reforma tributária, apenas pedaços…

Olha, eu respeito muito o Paulo Guedes. Ele tem um doutorado em uma das grandes universidades do mundo, que é a Universidade de Chicago (nos EUA). Foi uma pessoa razoavelmente bem sucedida no mercado financeiro, mas ele teve uma avaliação incorreta do papel de ministro do governo. Ou seja, ele confundiu a quantidade com qualidade. Para ser poderoso, ele imaginou que o melhor era ter cinco ministérios sob seu comando. Delfim Netto, que foi o mais poderoso ministro da Fazenda da história, foi só o ministro da Fazenda. Ele já perdeu dois ministérios importantes: Trabalho e Previdência e vai perder Indústria e Comércio (MDIC) e Planejamento, porque não foi capaz de avaliar duas coisas. A primeira, as restrições para privatizar no Brasil. Os brasileiros não compraram a ideia de que Banco do Brasil e Petrobras podem ser privatizados. A segunda, ele parece ter comprado uma tese muito comum no mercado financeiro e em outras áreas de atividade econômica, que o relevante para um bom governo, é o bom ministro da Fazenda. Mas quem é relevante é o presidente da República. Contudo, Bolsonaro não entende qual é o papel do presidente no sistema político. O ministro pode ir ao Congresso para expor suas ideias e debater. Mas negociar não é o território dele. E Guedes tem uma ideia absolutamente equivocada de querer recriar a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).

Por causa disso, ele nunca mandou a proposta de reforma completa…

Sim. A CPMF é rejeitada por 10 entre 10 economistas que estudaram o mínimo desse assunto. Guedes continua tendo a visão cor de rosa de muitas coisas. Por exemplo, ele anda dizendo que o Brasil está preparado para se beneficiar da redefinição das cadeias mundiais de suprimento, porque estamos mais próximos. E, nesse sentido, a Venezuela é mais competitiva do que o Brasil, e a Nicarágua, mais ainda. A decisão de investir leva em conta a proximidade diante dessa mudança de paradigma da globalização. Em que o risco geopolítico passou a ter relevância. Mas outros fatores são levados em conta: a estabilidade, a previsibilidade. Num governo que ataca as instituições, que não sabe como o governo funciona, se os analistas de risco político forem consultados muitas dessas empresas não virão ao país, porque elas não vão contar com a previsibilidade. E se consultarem especialistas no campo fiscal, vão ver um problemão daqui para frente.

Guedes costuma falar que os analistas estão errando muito nas previsões do Brasil, e, agora, não param de revisar para cima, como prova de que o Brasil está ‘está surpreendendo o mundo’. O senhor acha que o país está mesmo decolando como o ministro costuma afirmar?

Claro que não. Como é que um país que o país decola se vai cair a taxa de crescimento no próximo ano?

Que recuperação em V é essa que ele tanto fala?

É um avião que levanta voo e despenca. A mediana das projeções do mercado para o PIB, em 2023, é de (crescimento) em torno de 0,40%, no Focus (do Banco Central). Essa também é a projeção da Tendências. E tudo indica que a economia vai desacelerar. A política monetária está se tornando restritiva a partir de agora. Uma decisão de política monetária leva de três a cinco trimestres para fazer efeito sobre a atividade econômica e, depois, as condições financeiras devem piorar. Os economistas podem errar, porque o trabalho de projeções econômicas não é a ciência exata. Não é como a física. Tudo é feito com base em modelos econométricos, que levam em conta pesquisas, experiência, troca de informações entre participantes. Mas na maioria dos casos, o grau de acerto é maior do que o de erro. As projeções sinalizam uma tendência.

E a tendência é de desaceleração e de recessão global…

Exatamente. Tivemos vários fatores conspirando contra a atividade econômica hoje. Primeiro, uma desaceleração da economia mundial. Há riscos de recessão nos Estados Unidos. Há um risco enorme da guerra da Ucrânia, porque o mundo está lidando com algo que tem mistura de (Adolf) Hitler e (Joseph) Stalin, que é o (Vladimir) Putin (presidente da Rússia). E, esse cara pode daqui a pouco, pode suprimir a oferta de gás para a Europa. O cálculo é que uma ação dessas geraria uma queda de 3% a 4% no PIB da Zona do Euro. Os países mais dependentes vão ter que fazer racionamento e o racionamento tem efeito recessivo. E os bancos centrais de países ricos deixam já começaram os ciclos de ajuste monetário. Então, o ambiente mundial é de desaceleração global. E, quando você tem uma desaceleração que é associada a um ciclo de política monetária nos Estados Unidos, todo mundo sabe da história: o capital migra dos países emergentes para os países ricos. Isso significa mais pressão para a desvalorização cambial e o efeito na inflação e, em última análise, na atividade econômica.

A inflação não vai cair tão fácil, apesar da queda no preço dos combustíveis em plena campanha eleitoral?

É claro que vai baixar por esse artifício dessa intervenção no federalismo que é absolutamente inconstitucional e que feriu o pacto. Mas o Congresso fez vista grossa disso para beneficiar o Bolsonaro. Mas é um alívio que tem tempo para terminar. Em janeiro volta tudo.

Pelo que eu tenho ouvido, esse impacto é de, no mínimo, um ponto percentual a mais no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de 2023…

Exatamente. Além disso, embora o Banco Central não reconheça, a maioria dos analistas entende que a inércia inflacionária ficou mais forte. E quando ela fica mais forte, o custo e o tempo para reduzir a inflação são maiores. Por isso, que, embora a inflação continue declinando por força do estágio restritivo da política monetária, o BC não vai cumprir a meta no próximo ano. Nossa projeção para o IPCA passou de 8,5% para 7,9%, neste ano, e, no ano que vem, é de 5% (acima do teto da meta, de 5% e de 4,75%, respectivamente). Mantivemos a Selic em 14%, no fim deste ano, e estamos prevendo 11%, no fim do ano que vem.

O que significa para a economia do Brasil encerrar dois anos seguidos com Selic de dois dígitos?

As consequências são clássicas: piora das condições financeiras decorrentes do aumento da taxa de juros inibe a tomada de crédito e, portanto, a demanda e o investimento. Muitas empresas adiam os investimentos, porque ele se torna inviável com a taxa de juros nesse nível. Isso pode significar uma perda do dinamismo do mercado de trabalho. A geração de emprego arrefece.

Falando em mercado de trabalho, Guedes falou que vamos terminar o ano com uma taxa de desemprego em 8%. Isso é possível?

Olha, eu não conheço ninguém fazendo essa projeção. A nossa está em 9,8%, se eu não me engano. O emprego está crescendo no setor de serviços, mas a indústria está desacelerando. A indústria caiu em junho e está abaixo do período pré-pandemia. A indústria extrativa deve desacelerar muito. No linguajar dos economistas, é um cenário desafiador, que é um nome para substituir o pessimista.

E dá para ser otimista com o Brasil?

Olha, se você for pensar nas condições estruturais do país, a gente ainda pode continuar a almejar ser um país rico no futuro. O Brasil tem instituições sólidas que são fundamentais para a preservação da democracia e a democracia é essencial para a prosperidade. As instituições estão sendo postas à prova. O Bolsonaro está prestando um serviço ao país nesse campo. Ele provocou e as instituições responderam. Instituição é um conceito bem amplo. E, com essa mobilização de empresários, de acadêmicos, pessoal da área de ciência de sindicatos, é uma coisa bem ampla. Tem efeitos de transbordamento, porque estimula outras pessoas a pensar até para se mobilizar. Por exemplo, no discurso de Bolsonaro perante os embaixadores, que uma demonstração assim inacreditável de desprezo pela liturgia do cargo. O presidente só fala do embaixador para receber as credenciais. Bolsonaro convocou os embaixadores, por iniciativa dele, não só para romper essa hierarquia, mas para falar mal do Brasil.

Na cabeça dele, ele é um democrata…

Bolsonaro tem uma visão muito peculiar da democracia. Acha que não fez nenhum ataque à democracia. Ele dá sinais de que gostaria de dar um golpe, mas ele acha que isso não é nenhuma ameaça à democracia. Só que todo mundo está percebendo que é. A democracia tem várias definições. Tem a mais correta que eu gosto muito, que foi dada por um cientista político que é a seguinte: Democracia é o regime em que o governo perde a eleição. Eu gosto muito dessa. O governo não tem o poder de se perpetuar no poder. Mas existe a definição de democracia no comunismo. A Coreia do Norte é a República Democrática da Coreia. A Alemanha Oriental era a República Democrática da Alemanha. E na China, eu tenho um documento oficial dizendo que o conceito de democracia não é o mesmo do Ocidente. Então, Bolsonaro deve ter uma definição peculiar. Ele tem uma paranoia contra a esquerda. E, infelizmente, a esquerda brasileira evolui muito pouco quando se olha em ideias.

A maior oposição da esquerda brasileira, aliás, tem sido a própria esquerda…

É.. Bolsonaro é daquele tipo que vê comunismo até debaixo da cama.  Ele acha que existe uma ameaça comunista no Brasil. E se guia por fantasmas. Por isso, eu te digo: o Brasil não pode ficar mais quatro anos com esse cara.

E se ficar?

A situação piora bastante, porque ele não tem a liderança, não tem o conhecimento, não tem o capital político, a vontade política para liderar o país no enfrentamento dos seus grandes problemas estruturais, que implica enfrentar grupos de interesses muito poderosos. Implica lutar por redução de privilégios. Implica em ter ação correta para melhorar a qualidade da educação e não apenas aumentar gastos, como é que prevalece no Brasil. Muito brasileiro acha que só se melhora a educação gastando mais. Então, Bolsonaro não tem essas qualidades.

A propósito, uma das áreas que mais sofreu com o governo Bolsonaro foi a Educação…

Exatamente. Foram quatro ministros, um pior do que o outro. Um presidente, para liderar um país, deve ser uma fonte de previsibilidade, uma fonte de segurança, um farol para sinalizar os passos futuros do país e do governo. Bolsonaro é um criador de crises. Qual é o país do mundo minimamente civilizado em que o presidente chama o ministro Supremo de patife? Ou que acusa os ministros de imoral? Ele faz isso porque ele tem uma  noção de governo e de democracia que é difícil de entender e só existe dentro da cabeça dele. Mesmo um presidente de um país civilizado, que se sinta incomodado com o Judiciário, jamais faria as declarações que Bolsonaro fez aos embaixadores.

Finalmente, deverá haver um debate com Lula e Bolsonaro no pool de veículos de imprensa…

Eles não têm como fugir desse debate. Quem fugir vai perder. Você pode fugir do debate no primeiro turno. No segundo, não. E, como tudo indica que a decisão ocorrerá no segundo turno, a menos que o Sobrenatural de Almeida interfira. Por exemplo, se o voto útil, na reta final da campanha, sair do Ciro (Gomes-PDT) para o Lula, ele pode ganhar no primeiro turno. As pesquisas mostram que 60% a 70% dos eleitores do Ciro votariam no Lula se ele desistisse. Esse que aderiu André Janones (Avante) não é relevante em termos de intenção de voto, mas ele tem cerca de 26 milhões de seguidores. Enfim, vai ter muita emoção até outubro. E há quem tema, uma eleição no primeiro turno com margem estreita. E aí o Bolsonaro tentaria o golpe. Só que eu acho que, mesmo que ele tente, não vai ser bem sucedido.

O senhor acha que essa preocupação em torno do 7 de Setembro é justificável?

Eu acho que sim, porque ela pode gerar tumulto, violência. Ela não é  preocupante do ponto de vista de ser uma porta para um golpe. Acho que não, porque o golpe é um fenômeno da Guerra Fria aqui na América Latina, pelo menos você tem na agenda. Na Ásia tem golpe como Mianmar. Mas aqui na América Latina, é nitidamente, o fenômeno da Guerra Fria, na quase totalidade dos casos, onde o elemento detonador da intervenção militar era a ameaça comunista. É uma mentalidade de meados dos anos 1960, que tem que ter uma mobilização da maioria a favor do golpe e o reconhecimento quase instantâneo do novo governo pelas potências ocidentais. Se pegarmos 1964, estavam a favor do golpe a classe média, o empresariado, as Forças Armadas, a imprensa e parte da classe política. Os Estados Unidos reconheceram o golpe no Brasil em menos de 48 horas. Hoje, essas Forças que apoiaram o golpe não vão apoiar. Está provado, agora, com todos esses manifestos. E a reação dos países ricos vai ser oposta. Eles vão condenar o golpe e, em alguns casos, pode até haver sanções contra o Brasil, que pode virar um pária. Houve uma mudança cultural nas Forças Armadas, particularmente no Exército, a partir da redemocratização, em que os currículos das escolas militares foram revistos.

Ou seja, não tem espaço para golpe?

Não tem. Por exemplo, outro dia eu jantei ao lado de um general de quatro estrelas e puxei conversa sobre isso. Hoje, temos outra realidade nas Forças Armadas. Eu não desprezo a tentativa de golpe. Mas, outro dia, eu fui perguntado na pesquisa quais são as chances de, se a oposição ganhar, o governo assumir. Eu disse 100%. Não tem como não ser 100%. Você pode ter uma coisa feia. Eu não vejo as Forças Armadas, como Bolsonaro a chamou de meu exército, embarcando nessa aventura por maior que seja a sua rejeição da ideia do Lula presidente. Os militares que se formaram nas escolas depois de 1985 são legalistas. É o que eu sinto.

Ainda existe espaço para a terceira via?

Em política, o imponderável sempre pode acontecer, mas a terceira via tem limitadas chances de vencer, apesar das qualidades de Simone Tebet (MDB), a melhor candidata do grupo. O grau de cristalização do voto nos dois primeiros colocados é inédito: 71% dizem estar decididos a votar em Bolsonaro ou Lula. O nível de conhecimento dos dois também é inédito: 97% para Bolsonaro e 99% para Lula. Simone tem apenas 24%. Nunca um candidato se elegeu sem ser um nome nacional. A senadora tem poucas semanas para alcançar essa vantagem, o que parece impossível. Creio que ela será talvez a mais competitiva em 2026, pois nenhum dos favoritos conseguirá, a meu ver, fazer um bom governo. Dificilmente atenderão às expectativas de seus eleitores, diante do cenário mundial de desaceleração econômica, inflação alta e riscos geopolíticos, associados a um desafiador cenário fiscal doméstico, baixo potencial de crescimento e juros mais altos. Claro, o Sobrenatural de Almeida pode mudar tudo isso, mas é pouco provável que aconteça a esta altura do campeonato.

Vicente Nunes