Como dizia um dos filhos do meu marido quando era adolescente, aconteceu comigo um fato estarrecedor. Estava calmamente saindo do supermercado quando fui abordada por um senhor — mais ou menos da minha idade, não sei calcular, grandão, parrudo — que me perguntou: “A senhora sabe se tem algum depósito de roupas e sapatos por aqui?”.
Respondi que não conhecia, e questionei se ele tinha certeza se o tal depósito ficava realmente por ali. Ele me mostrou um papel com algumas coisas escritas que, confesso, não prestei muita atenção e que tinha como endereço: Quadra 3 Comercial, sem dizer de onde. Disse que aqui em Brasília havia várias quadras 3…
Ele respondeu que morava em um sítio em uma cidade próxima a Brasília e que um vendedor de roupas e sapatos havia vendido uns produtos para a mãe dele e, como não tinha troco para R$ 100 — as peças custaram R$ 90 —, tinha dado um cupom para eles dizendo que estariam concorrendo a alguma coisa. O mesmo homem havia, agora, entrado em contato com a mãe dele pedindo que ele trouxesse o bilhete a Brasília, pois a mãe tinha ganhado R$ 20 mil, além de uma máquina de costura, uma peça de tecido e algumas roupas e sapatos.
Mulher de pouca fé, achei que ele tinha caído em algum conto do vigário. Nessa hora, passou uma outra senhora, a quem ele perguntou a mesma coisa sobre o depósito. Ela, como eu, disse que não conhecia nada parecido por ali. Contei o que ele tinha me dito para ela que, mais compreensiva e solidária que eu, tentou buscar alguma explicação para aquela história.
O tal cupom
Foi então que ele puxou do bolso o tal cupom que nada mais era do que um jogo de Quina, com duas carreiras de apostas. Quando vimos o bilhete, explicamos para ele que aquilo não era um cupom e que a pessoa que tinha lhe dado aquilo não pagaria nada, pois não estava concorrendo a nada, mas que ele deveria ir a uma agência da Caixa Econômica ou a uma casa lotérica para ver se havia ganhado alguma coisa.
Como a Caixa Econômica mais próxima de nós estava fechada por causa da greve de vigilantes, sugerimos que ele fosse à lotérica do shopping da redondeza. Ele ficou meio ressabiado, disse que não sabia ler, que o tal vendedor tinha dito para ele não falar com ninguém sobre o cupom, e não se mexeu.
A senhora sugeriu que fôssemos com ele atá à lotérica para ajudá-lo, e eu topei. Quando chegamos ao shopping, o senhor disse que preferia que fôssemos sozinhas, pois ele não queria falar com mais ninguém sobre aquilo. Foi quando Luíza (a outra senhora) pediu para ver o jogo para podermos pedir o resultado do concurso na lotérica.
No caminho, fomos conversando e lamentando como tinha gente mal intencionada no mundo. Que o cara, provavelmente, tinha sido vítima de um golpe. Entramos na lotérica, enfrentamos uma pequena fila, mas saímos de lá com o resultado. No caminho de volta, vimos que o senhor grandão continuava encostado na pilastra em que o havíamos deixado.
Explicamos que aquele era o resultado do jogo e pedimos o bilhete. Li o resultado enquanto Luíza conferia. Me arrepiei toda quando ela disse que ele tinha ganhado. Fomos olhar o prêmio e era de R$ 13 milhões. Ou seja, aquele senhor, que até agora não sei o nome, estava com um bilhete premiado no bolso.
Em choque e com a Caixa fechada, Luíza jogou fora o resultado, mandou ele guardar o bilhete no bolso, não falar nada com ninguém, ir para casa, se acalmar (ele estava pálido) e procurar alguém da família em quem ele confiasse para ir com ele a uma agência da Caixa na cidade dele. O homem estava tão nervoso (e nós também), que saiu caminhando rápido, sem falar mais nada. Nem se despediu.
No caminho para a minha casa, ainda passei de carro por ele, perguntei se ele queria que eu o levasse a algum lugar para pegar uma condução, ao que ele respondeu: “Vou pegar um carro de aluguel e vou para casa, fique tranquila”. Disse para ele tomar cuidado e segui meu caminho.
Brasília, 18h24min