PURO PRAGMATISMO

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A presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, deram ontem a mais clara demonstração de como estão ligados umbilicalmente e dependentes um do outro. Não há como a petista levar o seu governo adiante sem o sucesso do programa de ajuste fiscal proposto pelo subordinado, e não há como Levy pular do barco agora, como se fosse um derrotado. Ele sabe o tamanho do cacife que terá caso consiga resgatar a credibilidade do país.

Os afagos trocados publicamente entre os dois — Dilma, no Pará; Levy, em São Paulo — foram estrategicamente acertados. Puro pragmatismo. Com o governo fragilizado politicamente, a economia no atoleiro e a popularidade presidencial no chão, não há por que haver um rompimento do projeto que, no Planalto, é chamado de “salvação”.

Num primeiro momento, quando soube, por meio de assessores, das declarações do ministro da Fazenda em um seminário em São Paulo, a presidente demonstrou certo desconforto. Mas o rápido esclarecimento feito diretamente por Levy e o respeito que demonstrou à chefe reverteram qualquer possibilidade de tensão entre os dois.

Houve, sim, integrantes do Palácio do Planalto que tentaram insuflar um conflito entre Dilma e Levy. Alguns passaram para a mídia a versão de crise instalada diante da frase do ministro que se tornou pública no último fim de semana: “Há um certo desejo genuíno da presidente de acertar as coisas, às vezes não da maneira mais fácil, não da maneira mais efetiva, mas há um desejo genuíno”. Antes, porém, que o fogo amigo atingisse o objetivo, presidente e ministro trataram de agir.

Desde que passaram a conviver diariamente — são muitas as conversas pessoalmente e por telefone —, as barreiras entre Dilma e o ministro se desfizeram por completo. Até mais rápido do que acreditavam aliados de primeira hora da petista. Assim que o nome de Levy passou a circular como possível chefe da equipe econômica, Guido Mantega, então ministro da Fazenda, tratou de difundir a versão de que “jamais” Dilma nomearia uma pessoa com o pensamento de Levy para o cargo mais importante da Esplanada. Errou feio, assim como o fez na condução da economia.

A afinidade entre Dilma e Levy acalmou os mercados, mas não reverterá, tão cedo, a deterioração das expectativas dos agentes econômicos. Dados do Banco Central mostram que nunca se viu um processo tão rápido de piora nas projeções dos analistas, como de dezembro para cá. Na última pesquisa Focus de 2014, as estimativas apontavam para crescimento de 0,55% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 e inflação de 6,59%. Agora, fala-se em retração de 1% na atividade e custo de vida de 8,13%.

Ninguém descarta novos desacertos nas falas de Levy, que se tornou mestre em ser ratificado por sua assessoria. É o ônus de ser a referência de credibilidade dentro do governo. Poderia dividir a tarefa com o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. O problema é que os dois fizeram parte do desastroso primeiro mandato de Dilma. Foram responsáveis por parte das medidas que levaram o país para o abismo.

Projetando o caos

» Em meio ao nervosismo inicial dos investidores diante de um possível rompimento entre Dilma e Joaquim Levy, alguns operadores traçaram um quadro assustador para o país: dólar rompendo os R$ 4 e juros futuros disparando para, no mínimo, 16%. “Seria o caos que o ministro da Fazenda está fazendo de tudo para evitar”, diz um executivo do sistema financeiro.

Viva a ortodoxia

» Quem acompanha o dia a dia da economia garante que o próximo presidente da República, seja de que partido for, pensará mil vezes antes de mexer com o tripé câmbio flutuante, metas de inflação e equilíbrio fiscal. O resultado colhido por Dilma ao abrir mão dessa receita foi tão desastroso, a ponto de a petista correr o risco de não terminar o mandato, que a ortodoxia tenderá a prevalecer nos governos que forem empossados.

Sinal de alerta

» O Ministério da Fazenda anda preocupado com a quantidade de empresas brasileiras que estão tendo as notas de crédito rebaixadas pelas agências de classificação de risco. Assessores de Levy temem o fechamento completo do mercado internacional às companhias, o que pode criar a impressão de dificuldades para o financiamento do rombo externo do país, que está em 4,2% do PIB.

Partido da boquinha

» Está para acabar a quarentena do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e do ex-secretário do Tesouro Arno Augustin. Muita gente no governo anda se perguntando de que forma Dilma recompensará os dois executores da política que levou o Brasil para a recessão e o desemprego. Não se pode esquecer, como bem frisou o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho, de que o PT é “o partido da boquinha”. E não deixa companheiros no sereno.

Brasília, 09h40min