PROPAGANDA ENGANOSA

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A presidente Dilma Rousseff deve usar o púlpito da Organização das Nações Unidas (ONU), onde discursa na sexta-feira, para denunciar o que chama de golpe ao seu mandato, o impeachment que está prestes a ser admitido pelo Senado. A meta da petista é alertar chefes de Estado sobre “a conspiração e a traição” de seu vice, Michel Temer, que, no entender dela, está prestes a manchar a história do Brasil. A presidente deveria aproveitar a oportunidade para contar como quebrou o país e como o partido dela, o PT, construiu um esquema de corrupção sem precedentes na história.

Dilma tem todo o direito de se defender. Mas não pode recorrer a meias-verdades para se colocar como vítima. A insatisfação com a presidente é geral no país. Desde que tomou posse, ela deu início a um processo inacreditável de destruição das bases da economia, que permitiram a seu antecessor, Lula, agregar mais de 40 milhões de pessoas ao mercado de consumo. Boa parte desse contingente de brasileiros, no entanto, já voltou para a pobreza e viu o futuro ser hipotecado.

É o próprio governo que mostra o quanto a situação econômica do país é grave. Pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego atingiu 10,2% no trimestre terminado em fevereiro. Isso significa dizer que 10,4 milhões de brasileiros estão sem trabalho. Levando-se em consideração que, na média, cada residência tem quatro pessoas, 41,6 milhões estão sendo vitimados pela destruição do mercado de trabalho, quase um quarto da população.

São essas pessoas que engrossam, mês a mês, as estatísticas de inadimplência do país. Dos cidadãos com mais de 18 anos, 60 milhões estão na lista de caloteiros, ou seja, não podem mais comprar a prazo ou tomar empréstimos em bancos. Muitos desses brasileiros — aos quais Dilma saudará no discurso na ONU — foram induzidos pelo governo a se endividarem acreditando que a fartura proveniente da estabilidade econômica havia chegado para ficar.

Um em cada quatro brasileiros diz ter alguém desempregado em casa. As pesquisas mostram que 78% dos cidadãos conhecem alguém que perdeu o emprego nos últimos seis meses. Segundo o IBGE, apenas na comparação do trimestre de dezembro a fevereiro com o mesmo período de 2015, 3 milhões de trabalhadores foram demitidos. Não há registro no mundo de demissões nessa quantidade em um espaço tão curto de tempo.

Falências e calotes

Dilma deveria dizer que, com o aumento da desocupação, os brasileiros enfrentam uma forte queda na renda. Nos 12 meses encerrados em fevereiro, o salário médio dos trabalhadores encolheu 3,9% acima da inflação. Esse dado mostra que os poucos que ainda conseguem uma vaga estão sendo obrigados a aceitar remuneração menor. Ou é isso, ou o desemprego. As empresas — muitas em situação quase falimentar — não conseguem mais fechar o caixa. A saída está sendo mandar pais de família para casa.

A renda, por tudo o que fez a petista, continuará em corrosão. O mesmo IBGE indica que a inflação não dá trégua. Apesar da gravíssima recessão, a prévia do Índice de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA-15, voltou a subir. A taxa de abril cravou alta de 0,51% ante 0,43% de março. A carestia se mantém resistente, admite o Banco Central, porque o governo não faz ajuste fiscal. Gasta muito mais do que arrecada. Desde 2014, quando Dilma se esbaldou com as pedaladas fiscais, que podem lhe custar o mandato, as contas públicas estão no vermelho.

Desemprego, renda em queda e inflação alta são apenas uma parte da fatura que Dilma empurrou aos brasileiros. O país está enfrentando uma grave escassez de crédito. Aqueles que ainda têm acesso a uma linha de financiamento são obrigados a arcar com juros abusivos. Os bancos alegam que o risco de calote cresceu demais com a derrocada da economia. O Produto Interno Bruto (PIB) caiu 3,8% em 2015 e deve encolher mais de 4% neste ano. O Brasil não registra dois anos seguidos de contração econômica há mais de 80 anos. Mas pode piorar. É possível, nas projeções do Ministério do Planejamento, que também em 2017 o PIB seja negativo em quase 0,5%.

À beira do desespero

Em todos os seus discursos, a presidente faz questão de ressaltar sua honestidade. Alega que não há como compará-la a Michel Temer, que é mencionado em várias delações no âmbito da Operação Lava-Jato, nem ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro. Nisso, ela está coberta de razão. Mas ao omitir todas as mazelas que impôs ao país, Dilma se mostra inapropriada para ocupar o cargo que ela promete defender até o fim da luta.

Não há registro, na história recente do Brasil, de um presidente que tenha provocado tantos estragos na economia. Como o tempo está correndo contra, seria de bom tom que Dilma saísse do mundo da propaganda enganosa que lhe garantiu a reeleição e encarasse o país real em que famílias e empresas estão à beira do desespero. Nessa realidade, talvez, em algum momento, ela se encha de coragem para pedir perdão aos brasileiros. Em se tratando da petista, é difícil acreditar nesse gesto de grandeza. Mas para quem está com a corda no pescoço, pode ser uma opção digna.

Brasília, 08h30min

Vicente Nunes