PAULO SILVA PINTO
Quando se olham as contas públicas no Brasil, fica até meio difícil entender por que tanta briga para ocupar o Planalto. O cenário na Esplanada é terrível. Especialmente no Bloco F, onde fica o Ministério do Trabalho e Previdência Social. O resultado do Tesouro Nacional do primeiro trimestre, anunciado ontem, superou as expectativas já muito ruins do mercado. E os números da Previdência, mais uma vez, foram o centro das atenções.
As contas do governo ficaram no vermelho em R$ 18,22 bilhões no trimestre. Só em março, foram negativas em R$ 7,94 bilhões, o pior resultado em 20 anos. A Previdência, que é um componente disso, teve um deficit de R$ 10,26 bilhões. Quer dizer que, se esse item fosse eliminado — tanto receitas quanto despesas — haveria superavit nas contas do governo.
“A única salvação é aprovarmos uma reforma da Previdência. Se isso não acontecer, estamos lascados”, avisa o economista Raul Velloso, um dos maiores especialistas em contas públicas do país. Para Michel Temer, na iminência de passar de vice a presidente da República, não será fácil conseguir a aprovação de mudanças, mas será ainda mais difícil governar sem equacionar o problema, diz o economista.
É muito difícil, para não dizer impossível, fazer um ajuste fiscal por meio de aumento de impostos, na avaliação de Velloso. Na época em que ele estava no governo, nos anos 1980, era diferente. O Brasil vivia uma crise de liquidez. Só se podia ter acesso a recursos externos por meio de acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que exigia aumentos fortes de impostos.
Hoje, as reservas internacionais do Brasil proporcionam conforto no setor externo; portanto não se pode recorrer ao argumento da insolvência para empurrar sacrifícios goela abaixo da sociedade. A outra razão é que a carga tributária era muito menor. Assim, aumentar a cobrança machucava menos. “Hoje, a solução passa por reformas graduais e profundas do lado dos gastos. E a Previdência é a principal delas”, afirma.
A dúvida é sobre a viabilidade de aprovar mudanças nas aposentadorias, um tema tão caro aos brasileiros. Há quem diga que, no Brasil, as pessoas já começam a trabalhar pensando no dia em que vão viver de uma pensão estatal. Velloso acha, ainda assim, que a maioria construída na Câmara em torno do impeachment é uma indicação da disposição de aprovar alterações legais. O cientista político Murillo de Aragão, da Arko Advice, também vê grandes chances de aprovação. “Precisa explicar para as pessoas e fazer uma regra de transição justa”, diz.
Para um analista ligado a sindicatos que prefere comentar o assunto de modo reservado, será grande a resistência da sociedade à reforma. Mas ele também vê possibilidades substantivas de aprovação. Uma razão essencial é que Temer não pretende buscar a reeleição, condição para o PSDB apoiar seu governo. Não se submeter novamente às urnas ajuda a promover uma mudança impopular. Esse analista vê como altamente provável a desvinculação entre o salário mínimo e o piso das aposentadorias. Caso isso seja feito com as pensões rurais, haverá protestos. No caso das urbanas, menos, pois falta unidade para reivindicar direitos.
Outra razão é a mudança da base parlamentar. O PT apoiou a reforma realizada no governo Lula a contragosto e vem apresentando obstáculos às propostas da presidente Dilma Rousseff. Já no caso da maior parte dos partidos que devem compor a base parlamentar em um eventual governo Temer, é muito mais fácil, do ponto de vista programático, apoiar mudanças nas aposentadorias.
Resistência sindical
Certamente, nem todos os aliados veem o tema com facilidade. O deputado e líder sindical Paulinho da Força (SDD-SP) foi um dos parlamentares que trabalhou mais ativamente na aprovação da admissibilidade do impeachment. Ele é altamente cotado para assumir o Ministério do Trabalho — hoje fundido com a Previdência, o que, não necessariamente, será o desenho em um eventual futuro governo.
Paulinho nega que tenha falado com Temer sobre ministério, o que ninguém acredita. Quando fala sobre o que pensa a respeito do regime de aposentadorias, porém, não faz rodeios. Ele lembra que o atual sistema já estabelece progressividade. Atualmente, vale a soma de 95 anos para homens e de 85 anos para mulheres contando idade e tempo de trabalho. A partir do ano que vem, já serão 96 e 86, até se atingir 100 e 90 em 2022.
“É preciso checar se isso já não vai resolver o problema da Previdência”. A outra possibilidade, diz, é criar um novo sistema para quem vai entrar no mercado de trabalho, preservando o atual só para quem já tem carteira assinada. Especialistas em Previdência avisam que a regra progressiva em vigor é insuficiente, assim como mudanças só para quem está fora.
Paulinho avisa que está disposto a discutir o assunto. Há indicações de que o grupo sindicalista que apoia Temer será bem mais aberto do que parte do PT hoje. O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, sofreu ataques dentro do próprio governo ao defender a reforma da Previdência, que acabou adiada. O ministro da área, Miguel Rossetto, petista de ala mais à esquerda, considera o sistema em vigor satisfatório.
Serra no Itamaraty
À indicação do senador José Serra (PSDB-SP) para o Ministério da Educação, ganha força uma alternativa: o Itamaraty. Há quem tenha dificuldades em entender os dividendos políticos que isso poderia lhe trazer. Mas é bom lembrar que o governo de Lula e o de Dilma, até agora, foram nulos na assinatura de acordos comerciais significativos. Caso Serra consiga alguma coisa, será uma vitória. O problema é que negociações comerciais levam muito tempo. Conseguir resultados em apenas dois anos e meio pode ser inviável. Ou não, a julgar pelo ritmo de exigência que Serra costuma impor à equipe.
A possibilidade da indicação, aliás, causa certo desconforto entre diplomatas, mesmo entre os que comemoram a possibilidade da saída de Dilma. O dinamismo do senador e sua impaciência na busca por resultados provocam “mixed feelings”, na avaliação de um funcionário graduado, ou, em português, sentimentos ambíguos.
Brasília, 09h02min