ROSANA HESSEL
A nova crise que se instaurou no Ministério da Economia em meio à contagem regressiva para o envio da proposta do Orçamento de 2021 reacendeu o debate sobre o teto de gastos e as pressões para mudanças devem aumentar, apesar do discurso do ministro Paulo Guedes de que não haverá mudanças na regra, segundo analistas.
A emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior, EC95, de 2016, passou a ser defendida de forma mais veemente por Guedes ontem quando ele confirmou uma “debandada” na equipe. Interlocutores do ministro vinham achando que ele estava abanandondo esse discurso nos últimos dias, devido à tentativa frustrada de burlar o teto incluindo o novo programa que o presidente Jair Bolsonaro tenta criar para substituir o Bolsa Família, o Renda Brasil, na proposta de ampliação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica).
Após reunião realizada, ontem, com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e com o líder do blocão do Centrão, Arthur Lira (PP-AL), Guedes afinou o discurso com o democrata e ambos criticaram os que tentam furar o teto. O ministro disse ainda que os conselheiros que aconselham a “furar o teto” estão levando o presidente para uma zona de caos, de incertezas, de irresponsabilidade fiscal, e para a “zona sombria do impeachment”. Maia ainda foi enfático ao afirmar que não pautará ampliação do estado de calamidade, como forma de “burlar” as regras de responsabilidade fiscal por mais um ano.
Enquanto apostas de que Guedes pode deixar o governo aumentam, o diretor para as Américas do Eurasia Group, Christopher Garman, acha difícil que o ministro renuncie. Contudo, ele admite que o debate sobre a questão fiscal ficará cada vez mais difícil no governo. “Foi um revés. Mas o apoio do presidente ao Guedes permanece, e vai ser importante que o orçamento mandado pelo governo aí Congresso no dia 31 respeite o teto”, afirmou.
Âncora fiscal
Guedes e Maia alinharam o discurso de que o teto de gastos não será rompido e que ele vai brigar com os ministros “fura-teto”. O ministro tem reforçado que o governo já gastou 10% do Produto Interno Bruto (PIB) no combate aos efeitos da pandemia de covid-19 e reconhece que a dívida pública bruta pode chegar a 100% do PIB.
Analistas lembram que a regra do teto é a âncora fiscal que tem sustentado a confiança do mercado e permitido que os juros continuarem baixos, nos menores patamares da história. A especialista em contas públicas e uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal, Selene Peres Nunes, reconheceu que ainda não é possível estimar até quando o aumento de gastos no combate à pandemia será necessário. O governo não tem conseguido avançar nas propostas de ajuste, como redução das renúncias fiscais e nas privatizações, que ajudariam a aumentar a receita para justamente evitar o rompimento do teto, e isso pode piorar a confiança do mercado no país.
“A dívida pública aumentou muito e não poderemos ser irresponsáveis e achar que o governo absorve qualquer nível de aumento de gasto e que isso não terá efeito na macroeconomia. Se não houver estabilidade econômica, o setor privado não será capaz de investir como o governo espera”, alertou. Subsecretária do Tesouro do estado de Goiás, Selene lembrou que para os juros continuarem nos patamares atuais, o governo precisará controlar melhor as contas públicas. “O princípio é separar o que é transitório, que é a reação à crise à covid-19, do que é permanente”, orientou.
O Posto Ipiranga de Bolsonaro, por ser um liberal de carteirinha com passagem pela Universidade de Chicago, garantiu a confiança do mercado financeiro e de empresários em um deputado nanico, de currículo duvidoso que pouquíssimo fez no Congresso durante quase 30 anos de Legislatura. Com o esvaziamento da equipe, crescem as dúvidas se Guedes vai conseguir resistir às pressões de todos os lados para romper o teto de gastos.
As pressões para o rompimento do teto de gastos aumentam dentro do governo, especialmente, na ala militar, que defende ampliação do investimento público para que o presidente aumente as chances de reeleição. Fontes próximas a Guedes admitem que ele está ficando cada vez mais “desidratado”.
O economista do Senado Leonardo Ribeiro, especialista em contas públicas, avaliou que, ao politizar a questão do teto, Guedes dificultou qualquer saída para uma flexibilização do teto. “As mudanças no teto podem ter um custo fiscal maior. Com boa comunicação e transparência, os problemas do teto poderiam ser resolvidos sem corrosões na credibilidade da política fiscal. Basta observar como os países da Europa estão conduzindo a mesma situação”, afirmou. Segundo ele, pelo menos três propostas para mudanças no teto já tramitam no Congresso.
Ribeiro lembrou que a margem para aumento de gasto no Orçamento é muito pequena, porque mais da metade das despesas sujeitas ao limite do teto de gastos são previdenciárias e crescem acima da inflação. Segundo ele, existem pelo menos três projetos no Congresso que tratam da questão, inclusive, como a prorrogação da regra por dois anos, ou o condicionamento ou mesmo a prorrogação da calamidade pública, o que poderia permitir a edição de novas medidas provisórias para abertura de créditos extraordinários, algo que foi descartado pelo presidente da Câmara, ontem.