Foto: Jorge Rosenberg/Divulgação
Filho de uma família aristocrática — o tataravô, Antônio Carlos de Arruda Botelho, ostentava o título de conde de Pinhal; o pai, Fernão Bracher, foi presidente do Banco Central e fundador do Banco BBA, que, em 2002, se uniu ao Itaú —, acompanha, com atenção, os movimentos políticos do governo a fim de aprovar as reformas de que o país precisa para crescer por um longo período. “As reformas estruturais, em especial a fiscal, são imprescindíveis para que isso ocorra de forma sustentável”, destaca.
Bracher garante que, apesar das críticas, os bancos têm dado uma boa contribuição para o crescimento, e assegura que o sistema só não libera mais crédito por falta de demanda. Ele afirma, ainda, que o custo dos empréstimos vem caindo, refletindo a política conduzida pelo Banco Central, que domou a inflação e levou a taxa básica, a Selic, para o nível mais baixo da história, 6,5% ao ano. Na avaliação dele, no entanto, de nada adiantará esse quadro de inflação e juros baixos se o governo não fizer um ajuste estrutural nas contas públicas, que estão no vermelho desde 2014. “Não podemos nos enganar. Ou resolvemos os problemas das contas públicas ou voltaremos a ter problemas também com inflação e juros”, frisa.
Para o banqueiro, a percepção positiva da sociedade em relação à necessidade de se fazer a reforma da Previdência Social, que encerrou 2018 com rombo total de R$ 292,2 bilhões, é um avanço extraordinário e facilitará as negociações do governo no Congresso para levar a proposta adiante. Ele ressalta que o otimismo mostrado nos últimos dias pelos investidores — a Bolsa de Valores bateu três recordes consecutivos e o dólar despencou — está associado à perspectiva de crescimento maior para o Brasil, que deve ficar entre 2% e 2,5% neste ano. Mas faz um alerta: é preciso que o mundo também ajude. “O Brasil não está isolado do mundo, e é importante que o cenário internacional não atrapalhe muito”, diz.
Os desafios colocados para o país, na avaliação do presidente do Itaú Unibanco, vão além das questões mais urgentes, como as reformas institucionais. “O Brasil tem potencial para crescer muito mais. Mas, para isso, precisa atuar sobre a questão da produtividade. Há inúmeros aspectos importantes, e não dá para falar de todos aqui. Gostaria de ressaltar um, a educação”, afirma. É inconcebível, para ele, o país estar tão mal posicionado em rankings mundiais, como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa).
Não por acaso, se os atuais governantes lhe pedissem um conselho para tornar o Brasil um país mais socialmente mais justo, Bracher teria a resposta na ponta da língua: “Do ponto de vista estrutural, não há país justo sem que haja igualdade de oportunidades. E não há igualdade de oportunidades se não há educação de qualidade para todos”. Na última sexta-feira, o executivo teve uma ótima notícia. O valor de mercado do Itaú Unibanco atingiu R$ 342,1 bilhões, o que fez da instituição a mais valiosa empresa listada na Bolsa de Valores, superando a então líder Ambev. A seguir, os principais pontos da entrevista.
“As reformas estruturais, em especial a fiscal, são imprescindíveis para que isso ocorra de forma sustentável”
Qual a sua expectativa em relação ao novo governo?
Olhando do ponto de vista econômico, minha expectativa é bastante positiva. Em primeiro lugar, porque concordo com o diagnóstico da equipe econômica sobre os principais entraves ao crescimento do país. Em segundo, porque concordo com as primeiras medidas sugeridas pela equipe para lidar com esses entraves. Em terceiro, porque tenho enorme respeito pela qualidade dos profissionais da equipe econômica. O que resta, agora, é conhecer a capacidade de articulação política do governo para viabilizar a execução desse plano.
É possível ter esperança numa retomada firme do crescimento econômico? Por quê?
Sem dúvida, é possível. A própria redução da incerteza sobre a política macroeconômica deve tornar o efeito dos cortes de juros mais pronunciados, o que deve levar a uma aceleração da atividade econômica. Mas as reformas estruturais, em especial a fiscal, são imprescindíveis para que isso ocorra de forma sustentável.
Como os bancos podem contribuir para o incremento do PIB? O crédito continua caro e escasso?
Os bancos contribuem de inúmeras formas para o crescimento do PIB. O bom funcionamento do setor financeiro é uma engrenagem fundamental do desenvolvimento econômico. Isso se dá pelos inúmeros serviços prestados e o que aparece mais é o crédito. No Itaú Unibanco, e creio que seja o caso de outros bancos também, o crédito só não cresceu mais por falta de demanda. O custo do crédito vem se reduzindo e eu gostaria de chamar a atenção para o livro Como fazer os juros serem mais baixos no Brasil, lançado recentemente pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos), que traz propostas objetivas e concretas sobre como reduzir o spread bancário no Brasil.
Inflação e juros saem de cena e as contas públicas se tornam o principal vilão para o crescimento sustentado da economia. Como resolver isso?
Não podemos nos enganar: inflação e juros em bom nível, mas com contas públicas desequilibradas, constituem um equilíbrio instável. O ministro Paulo Guedes, em seu discurso de posse, chamou a atenção para o fato de estarmos “respirando à sombra de uma tranquilidade, mas uma falsa tranquilidade”. Essa situação não permanecerá assim. Ou resolvemos os problemas das contas públicas ou voltaremos a ter problemas também com inflação e juros.
O senhor aposta na aprovação da reforma da Previdência? Os governos anteriores não quiseram comprar essa briga, sobretudo, com as corporações. Desta vez vai?
A percepção de que a reforma da previdência é imprescindível para que o país retome a expansão econômica é crescente na sociedade. Acredito que isso venha a viabilizar a articulação política necessária para sua aprovação. Um precedente importante nessa direção foi visto há algumas poucas semanas, com a aprovação de uma reforma no sistema de previdência dos servidores da cidade de São Paulo. É muito importante destacar que foi possível aprovar essa reforma antes da eclosão de uma crise financeira mais grave.
“Não podemos nos enganar. Ou resolvemos os problemas das contas públicas ou voltaremos a ter problemas também com inflação e juros”
Bolsa em alta e dólar em baixa. Esse otimismo dos investidores é justificável? Por quê?
O otimismo dos investidores está ligado às perspectivas de retomada de crescimento econômico do Brasil. Se se acredita na aprovação das reformas, o otimismo é justificável. Há, no entanto, alguns riscos no horizonte, que não dependem exclusivamente da política interna brasileira. O Brasil não está isolado do mundo e é importante que o cenário internacional não atrapalhe muito.
Quais são os maiores desafios para que o país volte a crescer, gerar emprego e distribuir renda?
Os desafios imediatos já tratamos nas questões anteriores. Eu me refiro aos aspectos fiscais. A resolução desses problemas, no entanto, vai produzir apenas um crescimento moderado do PIB, na faixa de 2% a 2,5% ao ano. O Brasil tem potencial para crescer muito mais. Mas, para isso, precisa atuar sobre a questão da produtividade. Há inúmeros aspectos importantes, e não dá para falar de todos aqui. Gostaria de ressaltar um, a educação. A classificação do Brasil no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) e em outros rankings relevantes da área é extremamente preocupante, mesmo quando nos comparamos com países com investimento per capita em educação parecido com o nosso. Isso mostra que temos um grave problema de gestão nessa área. Para que o país cresça de maneira sustentável a longo prazo, resolver essa questão é fundamental. Da mesma forma que o Brasil tratou a inflação como uma questão de Estado, e não de governo, com a adoção de uma política de metas, deveríamos ter metas para o Pisa. E, assim, ter uma governança de Estado de garantisse o seu cumprimento.
É possível acreditar que o futuro ainda vai chegar para o Brasil? Foram muitas as frustrações ao longo das últimas décadas.
As frustrações às quais você se refere trouxeram também aprendizados. O Brasil reúne as condições necessárias e as instituições, que se têm mostrado muito robustas, que permitem que almejemos ser uma grande nação.
“O Brasil não está isolado do mundo, e é importante que o cenário internacional não atrapalhe muito”
Quais os riscos de uma recessão nos Estados Unidos e de uma desaceleração mais forte da China afetarem o Brasil? Estamos reparados para um novo choque externo?
O risco de uma recessão nos Estados Unidos em 2019, a julgar pelos preços dos ativos, e levando em conta as expectativas de inflação, é de cerca de 20%. O aperto das condições financeiras nas últimas semanas, com a queda dos preços das ações, tem aumentado esse risco, mas a resiliência do mercado de trabalho, com taxas de desemprego nas mínimas históricas, atua na direção oposta. Esperamos que a China cresça cerca de 6% neste ano. Caso ocorra uma desaceleração mais intensa, digamos para 4,5%, o crescimento por aqui também sofreria, e poderíamos deixar de ter a aceleração esperada (2,5%) no ano. O Brasil tem reservas externas vultosas, um Banco Central vigilante e com alta credibilidade, mas é claro que o impacto de cada choque externo depende de sua intensidade.
Se lhe fosse pedido, que conselhos o senhor daria para os atuais governantes no sentido de fazer do Brasil um país mais justo? Por quê?
Temos uma equipe econômica altamente qualificada e com muita experiência. Então, não creio que precisem de conselhos de fora para ter êxito. Se ainda assim insistissem, eu diria que o ideal é ter foco em umas poucas prioridades — sendo a primeira delas a reforma da previdência. A sua pergunta trata de um país justo. Nesse sentido, a reforma da previdência é fundamental para evitar a volta da inflação, um imposto regressivo. Do ponto de vista estrutural, não há país justo sem que haja igualdade de oportunidades. E não há igualdade de oportunidades se não há educação de qualidade para todos.
Brasília, 16h06min