PREÇOS DO ACORDO

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POR PAULO SILVA PINTO

Nada mais legítimo do que um governante lutar para permanecer no cargo pelas vias legais. Também é absolutamente justo que bancos, empresas de consultoria, operadores de mesas de câmbio e outros atores da sociedade façam avaliações sobre as consequências desses esforços.

A semana foi, predominantemente, de derrota para o governo, com o anúncio da saída do PMDB da base de apoio no Congresso. Isso já era, porém, dado como certo no fim da semana passada. E a repercussão da foto do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de mãos dadas e erguidas com o vice-presidente Michel Temer, não foi das melhores. Além disso, o Planalto se movimentou para fortalecer sua defesa no âmbito jurídico, com argumentos apresentados à comissão de impeachment; político, por meio de manifestações de apoio nas ruas e em evento no Planalto; e parlamentar, por meio da consolidação do apoio de quem permanece na base.

O governo também marcou pontos, portanto. Nada que tenha, por ora, alterado as chances de a presidente Dilma Rousseff continuar no cargo até o fim de 2018, ainda consideradas bem menores do que as de que ela saia nos próximos meses. A Eurasia, consultoria global com foco em movimentos políticos e econômicos, vê 75% de chances de Dilma deixar Brasília.

Isso não acontecerá necessariamente por meio do impeachment. Tal quadro tem de 60% a 70% de chances de ocorrer, segundo a consultoria. A diferença se deve aos riscos envolvidos no julgamento da eleição da chapa de Dilma e o vice Michel Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Se o resultado das urnas for impugnado, por ilegalidade na campanha, ambos perdem seus cargos e haverá nova eleição.

Com essa probabilidade, não é à toa que o dólar vem caindo em relação ao real e as ações, subindo. Ontem, a moeda norte-americana fechou em baixa de 0,9%, a R$ 3,559, acumulando queda de 3,31% na semana. O Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&Bovespa) subiu 1,01%. A notícia alentadora da sexta-feira foi a Operação Carbono 14, no âmbito da Lava-Jato, que teve foco na região do ABC paulista, berço político local de residência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É razoável interpretar que isso incrementa as chances de o governo se esfacelar.

O problema é que os operadores do mercado não são oniscientes — alias, ninguém é. O que se busca ao negociar moedas e ações é ser o primeiro a perceber movimentos que vão influenciar os preços, conseguindo-se, assim, vender ou comprar antes de as cotações baixarem ou subirem, respectivamente.

Mudança de vento

Há várias pessoas buscando ver primeiro a mudança de vento, avaliando com cuidado o trabalho do governo para frear o atual processo de impeachment em análise na Câmara dos Deputados. São dois os tipos de implicação do que o Planalto faz. A primeira é o custo do processo em si. Colocar aliados em postos-chave é um procedimento normal. Mas o fato de os ocupantes dos cargos serem trocados em momento de estresse político, depois de o principal aliado do governo ter anunciado que abandonou a base, enseja preocupações quanto à trajetória de gastos públicos.

Os novos melhores amigos do poder estão ávidos por ministérios, não porque desejam o bem do país, mas para ter ingerência sobre o dinheiro que está lá — pelo menos, é essa a visão que predomina na sociedade e no mercado, seja preconceituosa ou não.

O Estado atravessa dificuldades menores do que as do país, tanto que o tamanho dos gastos cresce em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Ainda há, portanto, o que gastar na Esplanada, ainda que o ambiente seja de restrição.

Piora fiscal

A gestão fiscal do governo é ruim, tanto que, a esta altura do ano, já se espera deficit primário em torno de 1,5% do PIB. O resultado tende a piorar ainda mais com a distribuição de cargos. Novos ministros chegam com ânimo adicional para gastar e um governo que se esforça para não cair tende a ceder. Não se está falando de corrupção, apenas de leniência fiscal.

Tudo isso já acontece, independentemente do sucesso que Dilma terá no processo. Caso ela consiga se firmar no poder, os preços considerados pelo mercado são outros. Em primeiro lugar, porque as ameaças de o governo cair vão continuar, por meio de novo processo de impeachment ou do julgamento do TSE, prolongando a barganha política.

Mas crescerá também a chance de Dilma ficar até 2018, algo sempre considerado no cenário. Não é uma perspectiva que o mercado veja como favorável para reverter a recessão porque, embora o governo tenha razoável clareza de que é necessário pôr as contas públicas no lugar, eliminando o deficit, não dispõe hoje de apoio no próprio PT e ainda menos nos outros partidos da base. Da oposição, é claro, não se pode esperar ajuda. Cunha já avisou que, se Dilma ficar, não conseguirá governar. Pode-se interpretar a frase como ameaça ou como simples constatação da realidade.

Nas alturas

O dólar, nesse cenário, alcançaria facilmente R$ 5,00 ou mesmo R$ 6,00, avaliam alguns analistas. E a inflação dificilmente voltaria para o patamar de um dígito.

Certamente esse quadro seria revertido caso o governo Dilma conseguisse ser reinaugurado, voltando ao início da era Lula, quando havia clareza de metas e capacidade de atingi-las. Mas é quase impossível que isso ocorra. Não é fácil sequer acreditar que os governistas, ou mesmo a presidente da República, vejam a situação de continuidade como algo confortável.

Brasília, 13h29min

Vicente Nunes