O governo está ansioso por criar fatos positivos, especialmente na economia. É visível, entre os aliados mais próximos do presidente interino, Michel Temer, a cobrança por resultados como forma de reduzir a rejeição popular ao peemedebista. O problema é que todo o peso dessa ansiedade vai recair sobre o Banco Central, que será comandado por Ilan Goldfajn. Todos apostam que, tão logo tome posse, o economista conduza o esperado movimento de queda da taxa básica de juros (Selic), fixada em 14,25% desde o ano passado. A tensão pré-Comitê de Política Monetária (Copom) já tem prazo para retornar com força.
De que os juros vão cair, não há dúvidas. Mas não há como o governo esperar pela mão amiga de Ilan como contraponto a tantas informações ruins, sobretudo na área fiscal. A inflação continua muito alta, acima de 9% no acumulado de 12 meses, e as expectativas, tanto para este ano quanto para 2017, estão distantes da meta de 4,5% que a administração de Dilma Rousseff nunca conseguiu entregar. Em todos os cenários traçados pelo BC, mexer nos juros nos próximos meses pode reverter os primeiros sinais de desinflação do país.
Aqueles que acompanham o dia a dia do Banco Central garantem que, se fosse mantido na presidência da instituição, Alexandre Tombini teria maior facilidade para dar início aos cortes da Selic. Primeiro, pelo perfil menos comprometido com um rígido controle do custo de vida. A inflação média anual na administração dele ficou acima de 7%, ou seja, além do limite de tolerância previsto em lei, de 6,5%. Segundo, porque ele vem preparando terreno para o afrouxo monetário há meses. Mas foi atropelado pelo impeachment de Dilma.
A perspectiva da atual diretoria do BC era de que a Selic começasse a cair, lentamente, a partir de julho, no máximo de setembro em diante, à medida que a inflação fosse cedendo, puxada pela gravíssima recessão na qual o país está mergulhado. A instituição, no entanto, manteria, até lá, o discurso de que a redução da Selic só se confirmaria caso o mercado comprasse a ideia de que a carestia estava saindo de cena. O próprio Ilan trabalhava como essa perspectiva até a semana passada, ainda como economista-chefe do Itaú Unibanco.
Passo em falso
Ao assumir o BC, porém, Ilan pisará em ovos. A confiança depositada nele pelos agentes econômicos não permite que ele dê qualquer passo em falso. A aposta é de que o economista será capaz de reconstruir a credibilidade da autoridade monetária, algo fundamental para criar um ambiente mais favorável aos negócios. A maior missão de Ilan é resgatar a previsibilidade, para que as empresas tenham a certeza de que podem investir sem ameças no horizonte e as famílias, consumirem. Com Dilma e Tombini, esse importante pilar foi destruído.
A tendência é de que o conservadorismo impere no primeiro ano de gestão de Ilan. E isso significará juros maiores do que o necessário para domar de vez a inflação. Nem mesmo a recessão profunda será capaz de convencer a próxima diretoria do BC a acelerar o passo apenas para agradar ao governo. Se cair nessa armadilha, não haverá volta. A desmoralização será total, o que é incompatível com a promessa de Temer de deixar os tempos de estripulias na economia para trás. Na situação dramática em que o Brasil está, é impossível prescindir de um BC forte.
Nas conversas que teve com Ilan a fim de convencê-lo a assumir a Presidência do BC, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, assegurou que a autonomia para decisões sobre juros seria cláusula pétrea. Contudo, o futuro presidente do BC terá que lidar com a ansiedade política. A administração Temer está sustentada em uma penca de partidos com visões muito diferentes. Quer dizer: o risco de pressões virem por todos os lados é grande. Há um prazo que o próprio governo se deu para apresentar resultados concretos na economia — 60 dias.
Se nada acontecer nesse período, o Banco Central será visto como salvador da pátria. Veremos a repetição do filme que passou no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Ela tanto pressionou, que o Copom deu um cavalo de pau na política monetária e reduziu a Selic para o menor nível da história, 7,25% ao ano, mesmo com a inflação em alta. A façanha durou apenas seis meses. O BC foi obrigado a subir os juros. Mas, independentemente ao arrocho, a inflação continuou aumentando, até fechar 2015 em quase 11%, algo sem precedentes em 12 anos.
Desejo e realidade
Mesmo dando total liberdade a Ilan para conduzir o BC, Temer acredita que a instituição terá condições de cortar juros ainda no início do segundo semestre, pois há a garantia firme de se apresentar um ajuste fiscal consistente. O grosso das projeções de inflação feitas pelo mercado incorpora a pressão do desajuste fiscal sobre os preços. Na visão do governo, com a sinalização de que as contas públicas serão arrumadas, os analistas tenderão a “limpar” os índices e a expectativas de inflação convergirão mais rapidamente para o centro da meta.
Tomara que o governo saiba separar bem desejo de realidade. No contexto atual, não há a menor possibilidade de a situação das contas públicas dar um conforto. Muito pelo contrário. Quase tudo o que é preciso fazer para que o ajuste fiscal saia do campo da promessa tem que passar pelo Congresso, sobre o qual Temer está longe de ter controle. Cabe, portanto, ao BC de Ilan se manter distante da política. Todas as vezes que houve aproximação da instituição com os interesses do Palácio do Planalto o desastre se confirmou.
Brasília, 09h07min