PORTA DOS FUNDOS

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O governo acredita que o poder da caneta fará grande diferença na guerra contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff. E usará o caso do deputado Mauro Lopes, do PMDB de Minas Gerais, que descumpriu a determinação do partido e assumiu o comando da Secretaria de Aviação Civil, como exemplo para seduzir a base aliada e garantir os 171 votos necessários para enterrar o processo de impedimento na Câmara dos Deputados. A caneta presidencial não terá poder, porém, para calar a voz das ruas, essa, sim, com força suficiente para determinar o destino de governantes.

Admita, ou não, o Palácio do Planalto, as ruas estão clamando por mudanças. As manifestações espontâneas indicam que a situação chegou ao limite, e não há mais sustentação para Dilma se manter no cargo. Nem mesmo quando Fernando Collor de Mello foi apeado do poder por corrupção, em 1992, se viu tanta gente cobrando o fim de um governo. Apesar de estarmos no Brasil, onde a força do dinheiro fala mais alto, os parlamentares tenderão a ouvir o que pedem seus eleitores. O risco de eles serem riscado do mapa nas próximas eleições é alto. O povo, como se vê, acordou.

Ao nomear Lula como ministro da Casa Civil, Dilma apostou na tradicional passividade dos brasileiros, que sempre se contentaram com pouco. Ela se esqueceu, porém, que, desde que tomou posse, impôs uma fatura enorme à sociedade. Enquanto integrantes do partido dela saqueavam a maior empresa do país, a Petrobras, o governo foi destruindo todas as bases da estabilidade. Com a volta da inflação e do desemprego e com a gravíssima recessão, a sensação de bem-estar, que camuflava as insatisfações políticas, desapareceu. Os brasileiros se deram conta de que haviam ficado mais pobres.

Negação

Não há dúvidas de que, ao longo dos primeiros oito anos dos governos petistas, o Brasil viveu impressionante processo de ascensão social. Mais de 40 milhões de pessoas foram incorporadas ao mercado de consumo. Porém, uma parcela significativa delas voltou à pobreza e se sente traída. A presidente Dilma alega que essas pessoas não estão nas ruas, apesar de arcarem com a maior parte da fatura do desastre econômico do país. Talvez seja verdade. Estrategicamente, o PT fez a inclusão social por meio do consumo, não pela educação e a política. As pessoas tiveram a sensação de riqueza, compraram a maior televisão disponível nas lojas, mas não se prepararam para questionar quem as governa, não de uma forma enfática como nos países desenvolvidos.

Independentemente de quem esteja nas ruas — ricos, pobres ou remediados —, assistindo às manifestações, fica claro que se trata de um processo que ganhou vida própria. Não há como revertê-lo, não enquanto Dilma insistir que está acima do bem e do mal, partindo para a afronta ao nomear Lula como ministro a fim de dar a ele um foro privilegiado. Ao empossar seu criador ontem, a petista demonstrou, em discurso, que, em vez de ouvir o que as ruas estão dizendo, partirá para o confronto. “A gritaria dos golpistas não vai me tirar do rumo”, afirmou, acrescentando: “Para o bem do Brasil, todo esse barulho, que não é a voz rouca das ruas, mas é uma algaravia, advinda da excitação de prejulgamentos, deve acabar”.

Na verdade, Dilma deveria ter a humildade para assumir que o seu governo já acabou e que a população tem todo o direito de exigir mudanças. Não se trata de golpe. Vivemos numa bela democracia que, ao longo de anos, vem amadurecendo e consolidando instituições fortes capazes de lidar, sem traumas, com trocas de governos quando eles não são vistos mais como legítimos pelos eleitores. Se continuar surda e cega diante da realidade que se impõe, a presidente corre o risco de sair do Planalto da pior forma possível, pelas portas dos fundos. A história jamais a perdoará.

Brasília, ooh28min

Vicente Nunes