A presidente Dilma Rousseff se travestiu ontem de humildade para dizer o quanto está “estarrecida” com a decisão da Câmara dos Deputados de abrir o processo de impeachment contra ela. Com os olhos marejados, fala mansa, chegou a dar a impressão de que desabaria no choro. Em nenhum momento de seu discurso, porém, a petista fez uma autocrítica para assumir os erros que cometeu e que levaram o Brasil a viver esse momento dramático, no qual o segundo comandante do país pode ser apeado do poder em apenas 24 anos.
Dilma acertou quando questionou o fato de o processo de impedimento ser tocado por Eduardo Cunha, presidente da Câmara, acusado de corrupção e de ter contas ilegais no exterior. Contudo, tornou a sua fala irrelevante ao não admitir a incapacidade de manter uma base de apoio no Congresso que poderia livrá-la do que ela chama de “conspiração e traição”. A petista se afastou de todos aqueles que tenderiam a lhe estender as mãos. Fez isso de forma deliberada, guiada pela soberba, que ontem ela tentou deixar no gabinete que ainda ocupa no Palácio do Planalto.
Os 137 votos pelo não ao impeachment explicitaram a incapacidade de Dilma de promover qualquer mudança no país a fim de tirá-lo da rota do desastre. Ela prometeu construir um novo governo, caso sobreviva ao processo que deverá ser admitido pelo Senado nos próximos dias, mas sabe que não terá condições de aprovar nada de relevante para reanimar a economia. Nem mesmo o partido dela, o PT, está disposto a levar adiante propostas que são veementemente rejeitadas pelas bases sociais, em especial, as centrais sindicais, como a reforma da Previdência Social.
A incapacidade de Dilma de governar ficou latente antes mesmos de o processo de impeachment avançar. Das medidas apresentadas pelo então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para fazer um ajuste fiscal consistente, quase nada foi adiante. Das propostas encaminhadas pelo atual chefe da equipe econômica, Nelson Barbosa, tudo está empacado. Não por acaso, o Brasil afundou em uma recessão profunda, tragado pela desconfiança dos agentes econômicos. Em vez de avanços, o que se viu foram retrocessos: desemprego, inflação alta, rombos fiscais e dívida pública em níveis alarmantes.
Prazo de dois meses
Com Dilma ameaçada pelo impeachment, podendo ser afastada em menos de um mês, o país vive uma situação esdrúxula, que só contribui para agravar a crise econômica. Temos, no Palácio do Planalto, uma presidente zumbi, que detém a caneta, mas, para muitos, já não governa. No Jaburu, há um vice, Michel Temer, que negocia cargos, monta equipes e prepara medidas econômicas, mas não tem poder algum. Esse vácuo torna a missão do Senado mais urgente. Quanto mais demorar para se posicionar sobre o processo de impedimento da petista, independentemente do lado que penderá, maior será o tombo da atividade.
O tempo se tornou precioso. Tanto que os investidores já definiram o prazo que darão para que Temer mostre serviço caso chegue ao Planalto: exatos dois meses. Nada mais que isso. Se, nesse período, ele não apresentar medidas no sentido de botar as contas públicas em dia, derrubar a inflação e pavimentar o caminho para a queda da taxa básica de juros (Selic), que está em 14,25% ao ano, restarão a decepção e uma feroz cobrança. O peemedebista criou expectativas demais para uma economia que está em frangalhos. Pagará caro se falhar.
Os investidores sabem que Temer, se vencer a disputa com Dilma, não terá a legitimidade dos votos para levar adiante medidas mais fortes, como as reformas estruturais. Por isso, muitos acreditam que mudanças mais profundas só virão a partir de 2019, com o futuro presidente eleito pelas urnas. A tendência é de o vice recorrer a propostas rechaçadas pelo partido dele, como o aumento de impostos via CPMF, para permitir uma travessia menos tortuosa. O crescimento econômico, com isso, será minguado, longe da retomada que integrantes da equipe do peemedebista vêm tentando pregar.
Recado da polícia
Ainda que consiga recuperar a confiança dos agentes econômicos, Temer não terá sossego da Justiça. Há um movimento firme dentro do Ministério Público e da Polícia Federal para indicar que, qualquer que seja o governo, as investigações da Lava-Jato vão continuar e prisões de políticos e empresários serão feitas sem constrangimento. Esse recado, por sinal, já foi repassado ao vice-presidente, que é mencionado em várias delações. Há gente graúda do PMDB apostando que, com o vice do Planalto, as investigações sobre a corrupção que devastou o caixa da Petrobras andarão em ritmo mais lento.
Portanto, se o “vice traidor”, como diz Dilma, acredita que terá vida fácil, é bom ir se preparando. Ele, inclusive, pode vir a ser vítima do mesmo mal que a petista o acusa, sobretudo se aliados que hoje o incensam forem, um a um, para trás das grades. Os tempos que vivemos, realmente, são sombrios. Há algo de muito podre no ar.
Brasília, 07h59min