PIOR DOS MUNDOS

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O ano de 2015 entrou na sua reta final, mas muitos já o estão riscando do calendário como se fosse uma praga a ser extirpada. Há quase três décadas não se via um período tão ruim para o país. A combinação de crise política com terremoto na economia fez com que o Brasil regredisse pelo menos três anos, trazendo de volta fantasmas que, pensava-se, jamais voltariam a nos atormentar. Mas Dilma Rousseff, com sua capacidade de fazer estragos, abriu-lhes as portas sem a menor cerimônia.   Os últimos três meses do ano sempre foram pródigos em boas notícias. É um período que, historicamente, as fábricas pisam no acelerador, ampliando turnos de produção e a oferta de empregos. Mas, pelas contas da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em vez de ligar os motores, as empresas estão apagando a luz. Quase um quarto das fábricas no país está ocioso e há sete meses consecutivos os empregos só diminuem.   No comércio, que tem no fim de ano o seu melhor momento, o quadro é de decepção. O momento era de as lojas registrarem filas para a seleção de empregados temporários, mas nove em cada 10 varejistas já avisaram que o atendimento à clientela no Natal será feito pelo quadro atual de funcionários. Com as vendas em queda, é muito mais provável haver demissões do que contratações.   Na avaliação do professor Simão Davi Silber, da Universidade de São Paulo (USP), o Brasil mergulhou em uma paralisia assustadora. Quando se olha para a frente, em vez de melhora, o que vê é um buraco sem fundo. A inflação, da qual se esperava uma trégua, voltou a ganhar fôlego, caminhando firme para um patamar acima de 10%. O desemprego também só aponta para o alto. É possível que o país encerre o ano com mais de 10 milhões de desocupados — em julho, essa massa somava 8,6 milhões de pessoas.   “Tudo isso está acontecendo porque o governo perdeu a capacidade de governar”, diz Simão. Para ele, ainda que o desastre comandado por Dilma puna a todos, serão os mais pobres os principais atingidos, já que eles não têm como se defenderem da inflação alta e são pouco qualificados para disputar vagas em um mercado de trabalho restrito. “Veremos a inflação elevada por pelo menos mais dois anos. A taxa de desemprego ficará rodando em torno de 10% até 2018.”   Quatro crises

Segundo Simão, o Brasil conjuga, atualmente, quatro crises, todas criadas pelo governo. A primeira, na área política, decorre da inabilidade da Presidência da República de conduzir a base aliada. A relação com o Congresso é tão difícil, que um possível impeachment está cada vez mais presente na agenda. “A prometida reforma ministerial terá fôlego curto. Dificilmente, evitará o afastamento da presidente”, avalia.   A segunda crise, na economia, foi agravada pela onda de desconfiança detonada do Palácio do Planalto. Dilma cometeu erros em séries, que destruíram a estabilidade, cujas bases permitiram ao Brasil, até 2010, agregar mais de 50 milhões de pessoas à classe média. Agora, parte dessas pessoas corre o risco de voltar à pobreza. “Sei de famílias que estão escolhendo integrantes que vão tomar banho de água quente para poder reduzir a conta de luz, pois não conseguem pagá-la”, ressalta.   A terceira crise, acrescenta o professor da USP, é a social, decorrente da economia. Simão diz que as pessoas estão se sentindo enganadas, pois foram levadas a acreditar que, se viesse um ajuste, seria suave. A realidade, porém, tem sido cruel, com o custo de vida nas alturas, pesado endividamento e desemprego. “Não descarto a hipótese de vermos cenas comuns nos anos 1980, de hiperinflação, quando as pessoas saqueavam supermercados”, assinala.   Para completar o quadro desolador, a quarta crise é moral. Não há hoje, no entender de Simão, uma só autoridade isenta de suspeição. A Operação Lava-Jato revelou um mundo de corrupção muito maior do que se imaginava, sem ideologia. Políticos de esquerda e de direita, se ainda for possível distingui-los, estão sendo enredados pelas investigações conduzidas pela Polícia Federal.   Dominância fiscal

Sair desse atoleiro levará tempo e muitas vítimas serão deixadas pelo meio do caminho. Na atual conjuntura, para tentar pelo menos acender uma luz no horizonte, será preciso fazer um ajuste fiscal consistente, mesmo que o superavit primário seja de apenas 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). “O importante é a direção”, afirma Simão. No entender dele, o Brasil vive o que os economistas chamam de dominância fiscal. De nada adianta o Banco Central aumentar os juros para tentar retomar o controle da situação.   Juros mais altos só agravarão os problemas, pois quanto mais o governo gastar com a dívida, maior será o rombo nas finanças públicas. O BC mostrou que, nos 12 meses terminados em agosto, o deficit nominal alcançou 9,2% do PIB, o equivalente a R$ 528,3 bilhões. A dívida bruta saltou para 65,3% do PIB e pode pular para 70% ou 80% rapidamente. “Um ajuste fiscal só é possível se houver credibilidade, e o atual governo, infelizmente, não a tem”, enfatiza o professor.   Até agora, o ajuste apresentado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é feito de remendos. Por isso, os investidores estão insatisfeitos, pressionando o dólar, que eleva a inflação. Alguns economistas têm sugerindo que, diante da gravidade do quadro econômico, o BC abandone, temporariamente, o regime de metas de inflação e passe a atuar com bandas para o câmbio, que seriam controladas por meio do uso das reservas internacionais, hoje de US$ 370 bilhões.   O difícil, porém, será conduzir esse processo, visto como tabu por economistas mais ortodoxos, num governo de Dilma Rousseff. O temor é de que a presidente acabe resvalando para o populismo, transformando o que poderia ser uma saída para a crise em um canhão que detone de vez o país. É preciso que a presidente reflita sobre o que se passa no Brasil e não fique mais pensando em formas de se manter no poder. Ela já conseguiu a proeza de derrubar o PIB deste ano em pelo menos 3%, contratar queda de 1% ou mais em 2016 e de praticamente inviabilizar 2017. Mais que isso, ninguém aguenta.

Brasília, 00h10min

Vicente Nunes