POR PAULO SILVA PINTO
O governo de Michel Temer nem começou e já enfrenta embates internos. Nada em público, por enquanto. O mais recente motivo da celeuma foi o aumento de 9% no Bolsa Família, anunciado no domingo pela presidente Dilma Rousseff. O reajuste vai valer a partir de junho. O problema é que Temer pretendia ele mesmo anunciar a elevação do benefício. Na próxima semana, o vice passará a exercer a Presidência da República caso o processo de impeachment seja aberto pelo plenário do Senado. “Nós iríamos promover esse aumento. Se não tivesse gente daqui falando tanto, Dilma não teria se preocupado em fazer o anúncio agora”, afirmou um aliado próximo do vice-presidente.
O Ministério da Fazenda informou na semana passada que não há recursos previstos no Orçamento para o reajuste, o que vai exigir um esforço para realocação de despesas. E a tarefa caberá, provavelmente, à equipe a ser anunciada por Michel Temer, ou seja, o novo governo ficará com o ônus de pagar a conta, mas sem o mérito de ter concedido o reajuste. E não será fácil conseguir dinheiro. A Lei de Diretrizes Orçamentárias deste ano prevê superavit de R$ 24 bilhões, mas o governo já enviou um projeto para mudar a meta para um deficit de R$ 96,6 bilhões.
Para o economista Raul Velloso, não há risco de que isso contamine a largada da equipe de Temer. “Pode-se dizer o que quiser das pessoas que estão com o vice-presidente, menos que são amadores”.
Na avaliação de João Augusto de Castro Neves, diretor para a América Latina da consultoria Eurasia, esse tipo de conflito não surgiu à toa. É objetivo da própria equipe que está na iminência de deixar o Planalto. “Ao anunciar o aumento do Bolsa Família e outras medidas, mais do que elevar a própria popularidade, o que a presidente busca é reduzir a de seu possível sucessor”, disse. Ele duvida, no entanto, que intrigas contaminem o início da nova gestão. “Temer é um animal político e não vai permitir que o fogo amigo, caso surja, se espalhe”, assinalou. “O presidente tem que mostrar que, na economia, quem manda é o ministro da Fazenda.” O provável ocupante do cargo será Henrique Meirelles, que foi presidente do Banco Central (BC) nos oito anos em que Lula esteve no poder. “Meirelles só aceitará ser ministro sob certas condições”, disse Velloso, que também chama atenção para a necessidade de empoderamento do titular da Fazenda.
O diretor da Eurasia lembrou que tudo o que faltou no governo Dilma foi o protagonismo do ministro da Fazenda, cargo ocupado no primeiro mandato por Guido Mantega e, no segundo, por Joaquim Levy e Nelson Barbosa. “O ajuste promovido no ano passado era de responsabilidade do Levy. Dilma nunca falou das medidas. Por isso, sempre se duvidou de que ela realmente tivesse convicção quanto à importância do que estava sendo feito”, afirmou.
Fernando Henrique Cardoso fazia questão de blindar o titular da Fazenda, Pedro Malan, em qualquer disputa. No segundo mandato, o ministro do Desenvolvimento, Clóvis Carvalho, teve de deixar o governo quando fez críticas à política econômica. Lula também protegeu Antonio Palocci, mesmo nos embates com o chefe da Casa Civil, José Dirceu. Quando Palocci saiu do governo, a blindagem passou a Meirelles, que estava no BC, e não a Mantega, alçado à Fazenda.
Brasília, 15h51min