“Perdoo a agressora, mas quero justiça”, diz mãe de brasileira vítima de violência

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A auxiliar de cozinha Maria Lucélia Oliveira, 38 anos, diz ter perdoado a menina, portuguesa, que agrediu a filha dela na porta de uma escola, em Santarém, região central de Portugal. A violência contra a brasileira de 14 anos foi tamanha, que provocou uma comoção no país. “Tanto a mãe da menina quanto ela própria me pediram perdão. E eu perdoei. Mas é importante que haja justiça, pois não há nada que justifique tamanha violência. Eu poderia estar enterrando a minha filha”, diz, com a voz embargada.

Lucélia conta que, desde que viu as imagens da agressão da filha em uma tevê, no trabalho dela, não consegue dormir. “Estou em choque. E também revoltada, porque havia várias pessoas vendo aquela violência toda e ninguém fez nada. Ninguém socorreu a minha filha, a única preocupação de todos era a de filmar aquele horror”, afirma. Ela conta que, quando a filha chegou em casa, no dia da agressão, não teve a dimensão do que havia ocorrido. “Ela chorava e dizia que queria voltar para o Brasil. Só entendi tudo quando vi os vídeos. Foi terrível”, acrescenta.

A brasileira, cearense de Fortaleza, está em Portugal há quase cinco anos, assinala que escolheu esse país para viver, por acreditar que era seguro e cheio de oportunidades para garantir um futuro melhor aos dois filhos — ela ainda tem um menino de 10 anos. “Mas, independentemente do que aconteceu, não quero voltar para o Brasil. Portugal me acolheu e acredito que meu lugar é nesse país”, destaca. O marido dela vive na França, onde trabalha na construção civil, e também está preocupadíssimo. “Não tenho nenhum parente em Portugal, somos eu e meus dois filhos, para os quais faço tudo o que posso.”

Lucélia ressalta que a filha agredida está mais tranquila. Conta que, quando foi fazer uma queixa na delegacia, pais de outros alunos já haviam denunciado o caso à polícia, que abriu um inquérito. Para ela, é preciso reforçar o policiamento na porta dos colégios — nesta terça-feira (27/02), havia agentes na porta da escola onde ocorreu a violência — e, sobretudo, que haja mais diálogo dentro das instituições de ensino para conscientizar os estudantes sobre a importância de uma boa convivência. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Blog.

Como a senhora soube da violência contra a sua filha, na porta da escola que ela estuda?

Soube pela televisão. Estava no trabalho, quando vi aquelas imagens tão chocantes. Fiquei realmente revoltada com tanta violência. Nada justifica a agressão que a minha filha sofreu.

A sua filha não lhe contou nada quando chegou em casa depois de ser agredida?

Ela chegou chorando, reclamando do que havia acontecido na porta da escola, dizendo que queria voltar para o Brasil, que queria ir com o pai dela, que mora da França. Mas não imaginei que a violência contra ela tinha sido tão grande. Só tomei ciência da proporção quando via as imagens na televisão e quando os vídeos se disseminaram pelas redes sociais. Foi terrível.

Como a senhora está se sentindo?

Olha, o que mais me revolta foi ver que ninguém socorreu a minha filha no meio da agressão, ela jogada no chão, imobilizada, levando tapas, socos no rosto. As pessoas assistiam a tudo aquilo e só estavam preocupadas em filmar. Isso realmente é revoltante. Minha filha é uma menina calma, uma criança, tem apenas 14 anos. O que ela passou deixa qualquer mãe horrorizada, com muito medo.

A senhora sabe de algum motivo que poderia ter detonado desavenças entre a sua filha e a agressora?

Pelo que sei, o motivo da agressão foi fofoca, boato, coisa de menina na escola. Há várias colegas da minha filha que frequentam a minha casa, vem para cá, ficam de conversinha. Mas nada justifica tamanha violência. Uma garota sair de outro colégio para tomar satisfação com a minha filha e já partir para a agressão é inadmissível. Ela agrediu feio. Isso não pode acontecer mais.

A escola poderia ter evitado essa violência?

Sei que, nas escolas de Portugal, a política é deixar as crianças resolverem seus conflitos. Eles dizem isso nas reuniões com os pais. Além da minha filha, tenho um menino de 10 anos, e converso todo dia com ele, digo para não bater em ninguém, não brigar. A gente conversa aqui em casa.

Em algum momento, a senhora percebeu algo que não estava sob seu controle?

Se eu soubesse que algo errado estava acontecendo e que a coisa ia acabar desse jeito, certamente, teria evitado. A minha filha é muito nova para resolver tudo sozinha. As mães estão aí para ajudar seus filhos. Sou muito presente, até porque somos só nós três, eu, ela e meu outro filho. Meu marido trabalha da França, na construção civil.

Ser imigrante complica ainda mais as coisas, certo?

Com certeza. Estou muito assustada, como mãe, como imigrante. Não sai da minha cabeça que tudo poderia ter sido muito pior. Poderia estar enterrando a minha filha, que saiu de casa para ir para a escola, um local que deveria garantir a segurança de todos os alunos. Estou me sentido incapaz de proteger a minha filha. Não estava presente naquele momento que ela tanto precisou de mim. As pessoas que passavam por perto no momento da agressão não fizeram nada, ninguém fez nada para socorrê-la.

Quanto tempo a senhora está morando em Portugal?

Vai fazer cinco anos. Eu me mudei para Portugal com meus filhos porque sempre acreditei que era um lugar seguro, tranquilo para se viver. Morávamos em Fortaleza, onde a violência é muito grande. Meu sonho sempre foi dar uma vida melhor para meus filhos, uma educação melhor, que garanta um futuro melhor.

A senhora tem uma rotina pesada.

Eu faço tudo pelos meus filhos. Cuido da casa, levo os dois para a escola e para as atividades de esporte e trabalho. Sou sozinha para cuidar de tudo. Por isso, fiquei tão assustada com o que aconteceu com a minha filha. Como posso trabalhar tranquila a partir de agora?

Como está a sua filha?

Está em casa, se recuperando. Está mais tranquila diante de tudo o que aconteceu. Estou cuidando dela como posso. E temos recebido apoio do pessoal do Comitê dos Imigrantes, da Sônia Gomes. Como não tenho família, nenhum parente em Portugal, ela tem me dado todo o suporte. O Comitê, por sinal, está com uma petição pública cobrando mais policiamento nas escolas. Isso é fundamental, assim como proibir que as crianças usem celular nas salas de aula. Hoje, por sinal, há policiais na porta do colégio onde minha filha foi agredida.

Alguém da escola lhe procurou?

Sim, a diretora me procurou no mesmo dia em que ocorreu a violência contra a minha filha. Houve uma reunião lá. Também fui chamada pela polícia. Fiz uma queixa formal, mas outros pais já haviam denunciado a agressão. Agora, está nas mãos da Justiça. O certo é que nenhuma mãe merece passar o que estou passando, de ter uma filha agredida de forma tão violenta. Sei que há muitos casos como esse acontecendo, que são abafados. Agora, foi a minha filha, amanhã, pode ser outra criança. Mas a minha filha não é qualquer uma. Vou cobrar uma punição exemplar.

A senhora já esteve com a mãe da agressora?

A mãe da agressora não tem culpa pelo que aconteceu. Conversamos muito. Ela, que é uma pessoa simples, me pediu desculpas, a filha dela me pediu perdão. Eu também pedi perdão por algo de errado que a minha filha possa ter feito. Mas, de novo, nada justifica aquela violência. Mães não têm culpa quando os filhos fazem algo errado. Mas elas têm de conversar com eles, entender o que está acontecendo, pois muitos meninos e meninas precisam de ajuda. Se formos resolver nossos problemas à base de violência, o mundo estará perdido. Vai ser uma matança geral.

A senhora pensa em voltar para o Brasil?

Apesar de estar horrorizada com tudo o que ocorreu, em nenhum momento pensei em deixar Portugal e voltar para o Brasil. Escolhi viver em Portugal, ter uma vida melhor com os meus filhos. Esse país me acolheu e tem dado oportunidades para mim e para meus filhos. Não será por conta desse ato de violência que vamos lagar tudo para trás. Agora, é importante que as leis sejam mais rígidas para proteger os mais vulneráveis. Além disso, as escolas precisam de mais segurança.

Como vê a situação nas escolas portuguesas?

Infelizmente, falta diálogo dentro das escolas. Não há palestras sobre a importância do combate à violência, sobre a importância do respeito, do convívio pacífico. As mães precisam ter a segurança de que seus filhos estão protegidos nas escolas.

Alguém do consulado do Brasil procurou a senhora para oferecer algum tipo de apoio?

Não. Ninguém me procurou. O apoio só veio por meio do Comitê de Imigrantes, da Sônia e da Juliete. Está todo mundo preocupado e, claro, revoltado com o que aconteceu. Podia ter sido pior. A violência gera violência. Eu não desejo isso para ninguém. Nenhuma mãe quer o mal de um filho. Eu não julgo a mãe da agressora. Eu já perdoei as duas.

Vicente Nunes