ANTONIO MACHADO
O horizonte que se avista para o país não é promissor e isso nada tem a ver com as crises fabricadas pelo bolsonarismo, como a que envolve um deputado inexpressivo do Rio, o tal Daniel Silveira, ex-PM indisciplinado, conhecido pelo despreparo e estilo miliciano.
Teve seu momento de fama ao pregar no YouTube a volta da ditadura militar e ameaçar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) como rufião de botequim. Acabou preso por ordem da Corte, deixando a nova liderança da Câmara numa saia justa. Vários dos líderes do Centrão e seus neoaliados vindos do bolsonarismo respondem a processos no STF, alguns por denúncias de corrupção, outros por atentar contra a ordem democrática, e aos digníssimos não interessa validar a prisão em flagrante ordenada pelo STF no caso do deputado inconsequente. Temem o precedente.
Mas o caso do deputado abusado é “assunto lateral”, como o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), reconheceu, exceto se a subversão que alucina parlamentares de extrema-direita e militares deslumbrados com o acesso ao poder facilitado pelo presidente Jair Bolsonaro ameaçasse a ordem institucional. Não há tal ambiente.
Até pode, mas ficou mais difícil aos candidatos a autocratas onde quer que existam com o presidente Joe Biden, um democrata da velha guarda avesso a tricotar com os populistas que mantinham relações carnais com Donald Trump. Biden também tende a ser pivô de mudanças substantivas na economia para não repetir os erros de Barack Obama, de quem foi vice-presidente. Isso nos interessa.
Obama estendeu tapete vermelho à agenda liberal dos financistas de Wall Street, a mesma em vigor aqui, e perdeu a maioria na Câmara na eleição de meio de mandado de seu primeiro governo e se reelegeu com os rivais republicanos assumindo também o controle do Senado.
O que for implantado nos Estados Unidos, como o pacote de gastos fiscais de US$ 1,9 trilhão já tramitando no Congresso, e outro talvez com o mesmo tamanho para reformar a infraestrutura do país, acelerar as pesquisas tecnológicas em disputa com a China e iniciar a mudança para a chamada “economia verde”, terá ampla repercussão global.
No Brasil, aonde a indústria vem num processo de decadência desde os anos 1980 e a economia não por acaso cresce em média abaixo do PIB mundial nestes 40 anos, tais transformações, se não viermos a acompanhá-las, nos condenam a um subdesenvolvimento sinistro.
Relendo a macroeconomia
O pano de fundo das transformações lideradas por Biden nos EUA, que já são reais nos setores empresariais mais dinâmicos tanto lá quanto na China e na Europa, é a releitura da macroeconomia. Nela, o Estado não é problema, como diziam os ícones do neoliberalismo Ronald Reagan e Margareth Thatcher. O Estado é parte da solução.
Um dos debates mais acalorados nos EUA, com apoio do grupo que se chama de “novo conservadorismo” — facção do Partido Republicano que se opõe a Trump e à ortodoxia do livre mercado —, trata da volta da “política industrial” ao coração da estratégia de desenvolvimento. O termo é maldito para os liberais do mercado, sobretudo no Brasil, devido às distorções e aos escândalos do crédito subsidiado e dos investimentos estatais, mas começa a ser reconhecido em artigos de expoentes de Wall Street.
Afora estudos isolados, como os do economista André Lara Resende, os cânones da macroeconomia brasileira tratam de um tempo em que as emissões do Banco Central pagavam gasto corrente, inflação era mal endêmico e a crônica escassez de dólares provocava duas a três moratórias externas a cada geração. Livramo-nos destes males. Mas desaprendemos como se faz crescimento e poucos empresários, receosos das políticas públicas, aceitam correr riscos.
Indústria volta ao foco
Nestes 40 anos de crescimento estagnado, levando-nos a rifar o que só países ricos possuíam, uma manufatura sofisticada, inclusive com centros de pesquisa e desenvolvimento, regredimos à dependência dos setores extrativistas (agro e mineração). A indústria se tornou só montadoras, estágio inferior ao das maquiladoras do México, já que incapazes por si e pelos custos locais a sequer conseguir exportar.
Trata-se de um vício imposto pelo jugo dominante da estabilidade macroeconômica, associado a programas de ajuste fiscal, ao fim do qual crescimento e empregos voltariam. O crescimento se torna uma consequência e não parte dos programas de ajuste do setor público. Que, focados em gasto, perpetuam uma governança disfuncional e sem futuro, pois analógica num mundo digital, além de sem propósito.
É isso o que o modelo asiático de crescimento sempre evitou, dando missão às burocracias e priorizando políticas do estilo New Deal do pós-guerra, do qual Biden é entusiasta. Levou para o Salão Oval, na Casa Branca, uma foto do presidente Franklin Roosevelt, patrono das estratégias de parcerias público privadas e de bem-estar social.
Um rumo para a política
Agora, pare e reflita: o que você vê e escuta vindo de Brasília e mesmo dos governos locais que tenham o progresso material e social como foco? Políticas como do Bolsa Família e do auxílio emergencial são remendos para tentar amenizar uma explosão social pela falta de empregos e de educação habilitante para a empregabilidade em massa.
Na verdade, não fosse a classificação de prestador de serviço tipo motorista de Uber e encanador como microempresário individual e os autônomos, públicos que foram alvo do auxílio emergencial pensado para os trabalhadores informais, e a taxa de desemprego, em vez de 14% da população na força de trabalho, seria da ordem de 25%.
Essa é a realidade que deve nos incomodar, fazendo o crescimento parte decisiva das estratégias fiscais, por sua vez mais voltadas para a reforma do Estado e sua gestão que para cortar e implodir. Temas assim deveriam mobilizar os parlamentares mais que a agenda sem futuro das PECs emergenciais e a retórica abjeta dos radicais.
Empresários inovadores
Como ensina a consultoria McKinsey, saber como efetuar mudanças é tão importante quanto saber o que mudar. Ignoramos ambas as coisas. Para mudar neste tempo em que algoritmos e inteligência artificial valem mais do que o petróleo no século XX, são essenciais times de cientistas de computação, matemáticos e engenheiros atuando junto a economistas e sociólogos, liderados por políticos no setor público e por empreendedores na área empresarial, buscando soluções inovadoras.
Inovador, por exemplo, é pensar em empregos e não só em bolsas de auxílio como fundamento da transformação social e da viabilização do que temos apenas em potencial: um dos cinco maiores mercados de massa do mundo. O industrial Josué Gomes da Silva, da Coteminas e próximo presidente da Fiesp, vem estudando o assunto. Também é novo empresários como Horácio Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski publicarem um bem fundamentado e oportuno artigo como alerta para o Brasil cuidar melhor da formação profissional dos nossos jovens.
Esse é o Brasil que interessa e certamente a sociedade aspira. O resto só gera ruído e arruína as esperanças de um país melhor.