ROSANA HESSEL
A piora nas contas do setor público consolidado foram puxadas pelo aumento da conta de juros devido às perdas de R$ 31,3 bilhões com contratos futuros de swap cambial. Esse prejuízo contribuiu para que a conta de juros praticamente dobrasse, saltando para R$ 56 bilhões, e, com isso, elevando o deficit nominal para R$ 79,7 bilhões, o maior da história para o mês. Esse prejuízo agravou o quadro da conta única do Tesouro Nacional.
As perdas continuaram em abril enquanto o dólar inaugura máximas em meio ao aumento de incertezas políticas e econômicas devido à Covid-19, pandemia provocada pelo novo coronavírus. Até o último dia 24, o prejuízo com operações de swap cambial chegou a R$ 14,7 bilhões e, no acumulado do ano, o saldo negativo na conta única do Tesouro ficou em R$ 61,2 bilhões, de acordo com os dados do BC.
“Essa conta vinha dando lucros com a valorização das reservas até o ano passado, mas chama a atenção agora o tamanho do saldo negativo”, alertou a economista Vilma Pinto, pesquisadora da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Conforme os dados do BC, esse é o pior resultado desde 2015, quando as perdas somaram R$ 89,6 bilhões no acumulado em 12 meses. “Se a conta única continuar no vermelho, o governo não poderá contar com esses recursos para ajudar nas contas públicas, mesmo de forma contábil”, afirmou.
Vale lembrar que, nos últimos anos, os ganhos do BC com reservas contabilizados na conta única do Tesouro (mesmo sem a venda de parte do estoque) ajudaram o governo federal cobrir a insuficiência de recursos para o cumprimento da regra de ouro. Prevista na Constituição, a norma proíbe que o governo se emita dívida para cobrir excesso de despesas correntes, como salários e aposentadorias. Agora, com essa conta no vermelho, o governo ainda vai precisar se endividar para tapar esse buraco.
O chefe do Departamento de Estatísticas, Fernando Rocha, acredita que esse cenário de perdas com swap cambial não deverá ser uma tendência se o dólar continuar em patamares elevados como atual. “Não é uma tendência”, garantiu.
No acumulado em 12 meses até março, o deficit nominal chegou a R$ 457,9 bilhões, ou 6,24% do Produto Interno Bruto (PIB), o maior patamar desde novembro de 2019. E, com o avanço da Covid-19 pelo país que já tem mais de 5,9 mil mortes, a tendência é que ele aumente devido à paralisação da atividade econômica diante da perspectiva de ampliação dos confinamento social nas cidades, de forma mais rígida. A arrecadação dos governos federal e regionais deve despencar e as contas públicas, devido ao aumento dos gastos, vão ficar totalmente desequilibradas, com rombos cada vez maiores, segundo especialistas.
Piora nos estados
Em março, o rombo do setor público consolidado em março ficou em R$ 23,7 bilhões, dado 27,4% superior ao deficit primário de R$ 18,6 bilhões no mesmo mês do ano passado, conforme dados do Banco Central divulgados nesta quinta-feira (30/04). E o quadro foi pior para estados e municípios. Após registrarem superavit primário de R$ 5,2 bilhões em fevereiro, os governos regionais registraram um deficit primário R$ 2,7 bilhões. No ano anterior, o saldo positivo tinha sido de R$ 1,5 bilhão. É a primeira vez que isso ocorre no mês de março desde a recessão de 2015 e 2016, segundo a autoridade monetária.
O resultado do governo central (que inclui Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social) encerrou março no vermelho em R$ 21,4 bilhões, de acordo com os dados do BC. Segundo Rocha, os dados de arrecadação dos governos regionais têm uma defasagem no relatório fiscal do BC e, por conta disso, o maior impacto dessa piora no resultado primário está relacionado com a redução dos repasses da União aos estados e aos municípios. “Houve uma queda das transferências para governos regionais de 4,8% em março na comparação com o mesmo período de 2019. Os estados receberam menos receitas e tiveram que usar outras fontes para aumentar gastos correntes e, por isso, tiveram deficit primário no mês”, afirmou Rocha, durante videoconferência com jornalistas.
A especialista em contas públicas reforçou que os dados preliminares mostram uma queda brusca na arrecadação dos governos de forma geral e isso deve se refletir mais a partir de abril e, no caso do governo central. “Os estados começaram a gastar mais contra a pandemia, mas isso tem um tempo para aparecerem nos dados do BC. O grosso dos gastos aconteceu no fim de março e em abril e isso vai aparecer nos próximos relatórios”, comentou Vilma. Com base em dados nacionais sobre notas fiscais eletrônicas consolidados pela secretaria de Fazenda do Rio Grande do Sul, houve queda de 25,2% em relação ao mesmo mês de 2019. “De fato, vamos enxergar em abril uma deterioração maior nas contas públicas a partir de abril”, destacou.
Dívida explodindo
O economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, também prevê piora nas contas públicas do Brasil diante do aumento dos gastos públicos para conter a pandemia. “Esperamos que o quadro da dívida pública e fiscal se deteriore significativamente nos próximos meses, devido à profunda recessão esperada e ao alívio tributário relacionado ao surto de Covid-19” destacou. Ele prevê deficit primário poderá “provavelmente acima de 8% do PIB”, podendo ficar em dois dígitos, fazendo com que a dívida pública bruta ficar perto de 90% do PIB.
Vilma, do Ibre, tem previsões parecidas com as do secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, pois prevê um rombo de R$ 600 bilhões nas contas do setor público consolidado, o equivalente a 8% do PIB. Contudo está mais pessimista do que o governo em relação ao deficit primário do governo central, pois espera R$ 560 bilhões, dado R$ 10 bilhões acima do estimado por Mansueto.Contudo, ela admite que esses dados devem piorar, porque o Ibre está revendo as projeções de queda no PIB, que estão em 3,4%, mas devem ser superiores a 5%. “Com a nossa projeção de queda de 3,4% no PIB, a dívida pública está em 89% e, portanto, deve passar de 90%, mas esse número ainda está em revisão”, adiantou.