PENDURADOS NO TESOURO

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O desejo do governo de retirar do papel o projeto de concessões de infraestrutura pode se transformar em uma grande frustração diante da nova alta da taxa básica de juros (Selic) para 14,25% ao ano. Especialistas que vêm trabalhando na estruturação de projetos garantem que, com a Selic nesse patamar, não há um só empreendimento que possa se tornar viável, sobretudo com o país mergulhado em uma profunda recessão e numa crise política que só tende a se agravar.

O discurso entre os potenciais investidores é um só: é melhor ficar na segurança dos títulos do Tesouro Nacional do que correr riscos de entrar em barcas furadas. No entender dos dono do dinheiro, apesar das promessas do governo de que as concessões serão rentáveis, há uma desconfiança generalizada em relação ao compromisso dos agentes públicos de fixarem regras estáveis e transparentes, que não serão mudadas no meio do caminho de acordo com os interesses do Palácio do Planalto.

Um projeto de infraestrutura demora, em média, dois anos para ser estruturado. Como tudo está parado, não há chance de nada sair até o fim de 2016. Os investidores ressaltam ainda que as taxas de remuneração das concessões indicadas até agora pelo governo, entre 9% e 10% ao ano, não serão suficientes para mexer com o apetite do capital. No mínimo, o retorno das concessões terá de ser de quatro pontos percentuais acima da inflação, que está caminhando para os 10%.

Nem mesmo os investidores estrangeiros têm se movimentado para entrar no bonde das concessões de rodovias, portos, ferrovias e aeroportos. Alegam que, a despeito de as taxas de juros em seus países de origem estarem próximas de zero, sentem-se desconfortáveis com o momento político e econômico do Brasil. Entre os investidores, muitos apostam no afastamento da presidente Dilma Rousseff do poder, seja por renúncia, seja pelo impeachment. Temem que o país mergulhe no caos se a ruptura política for traumática.

Na visão dos investidores, o Brasil se tornou um país de elevado risco. Nada do que é prometido pelo governo é colocado em prática. As regras continuam mudando no meio do jogo. O caso mais recente, lembram, foi o das metas fiscais. O superavit primário prometido para este ano caiu de 1,13% para 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB). O ajuste que poderia ser um passo importante para resgatar a confiança está ficando apenas no discurso.

Descompasso

Para o economista Roberto Luiz Troster, a confiança no país não voltará enquanto o Palácio do Planalto continuar emitido sinais difusos. No mesmo dia em que o Ministério do Planejamento anunciou cortes adicionais de R$ 1,2 bilhão na saúde e de R$ 1 bilhão na educação, o Planalto divulgou a liberação de R$ 4,9 bilhões em emendas parlamentares para tentar acalmar os ânimos na volta do recesso do Congresso.

“A sensação que se tem é a de que o governo administra um Brasil conveniente para Brasília e não um Brasil conveniente para o Brasil”, diz Troster. “É por isso que ninguém acredita em um ajuste profundo das contas públicas. Dilma falou em mudanças, mas continua com práticas do governo anterior, que levou o país para o buraco”, acrescenta. A tendência, acredita o economista, é de o Brasil continuar mergulhado em um círculo vicioso, que combina desemprego alto, os maiores juros do mundo, inflação acima do desejável e crescimento pífio.

Nesse contexto, é facílimo entender o porquê de os empresários, que deveriam estar investindo em infraestrutura e no aumento da produção, estão preferindo ficar pendurados em títulos do governo. Com juros de 14,25% ao ano, acreditam que estão se protegendo de qualquer malefício que possa vir da economia. Os lucros estão garantidos.

Proteção de R$ 157 bi

» Os bancos já separaram em seus balanços R$ 157 bilhões para cobrir perdas com calotes da clientela. A apreensão é grande, por causa da disparada do desemprego

Calotes no cartão » A inadimplência das pessoas físicas no cartão de crédito voltou a disparar. Atingiu, em junho, 36,9%, o nível mais alto do ano.

Saldo no vermelho

» O saldo dos empréstimos concedidos pelos bancos privados já está negativo em 1% no ano. Pisaram com tudo na liberação de recursos.

Nordeste encolhe

» Por região, o maior tombo no saldo de empréstimos e financiamento está no Nordeste, com contração de 1,9% nas operações com pessoas físicas.

Brasíia, 13h15min

Vicente Nunes