O governo deu um passo importante ontem, ao aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita, por até 20 anos, o aumento de gastos à inflação do ano anterior, mas o clima político extremamente conturbado exigirá esforço redobrado do Palácio do Planalto para manter unida a base aliada. A próxima batalha, a reforma da Previdência, será muito mais sangrenta diante da comoção que o tema provoca no país.
Para que o presidente Michel Temer consiga avançar na proposta do ajuste definitivo das contas públicas, será fundamental que a economia dê sinais efetivos de retomada nos próximos meses. O pessimismo que tomou conta dos agentes econômicos — e das ruas — agravou a crise. Não será tarefa trivial evitar que o Produto Interno Bruto (PIB) registre, em 2017, o terceiro ano seguido de queda. Já se fala em retração de até 1%.
Na avaliação da equipe econômica, o quadro realmente é grave, mas não se está jogando um jogo perdido. Os técnicos que monitoram sistematicamente os níveis da atividade acreditam que será possível reverter o mau humor se o governo se mantiver na direção correta, ou seja, sustentar o compromisso com o ajuste fiscal, independentemente das pressões que vem sofrendo. A aprovação da PEC do teto dos gastos é o sinal mais contundente desse compromisso.
A equipe econômica está trabalhando em duas frentes para dar um gás na atividade como complemento à arrumação estrutural das finanças do país, processo que trará resultados a médio e a longo prazos. De um lado, o Ministério da Fazenda lançará, amanhã, um pacote para tentar destravar o crédito e reduzir o custo de produção. De outro, o Banco Central vai acelerar, em janeiro, o corte da taxa básica de juros (Selic), de 13,75% ao ano, movimento que, para muita gente do governo, está atrasadíssimo.
A perspectiva é que, já no primeiro trimestre de 2017, os indicadores deem sinais de melhora, mesmo que lentamente. “Sabemos que as incertezas são grandes, sobretudo na política, por causa do que pode vir das delações da Odebrecht”, diz um dos mais conceituados técnicos da equipe econômica. “Mas não podemos ficar reféns da Operação Lava-Jato. O país precisa retomar seu rumo. A PEC do teto dos gastos nos tirou, definitivamente, da beira do precipício. Ganhamos um fôlego muito importante”, emenda.
Longe do fla-flu
Economista-chefe da Órama Investimentos, Alexandre Espírito Santo afirma que a força política demonstrada pelo governo com a PEC do teto dos gastos foi importante, apesar de a medida ter sido aprovada em segundo turno no Senado por oito votos a menos que na primeira etapa. “O momento é extremamento complexo. Mas o Planalto não pode ficar refém desse fla-flu político. O Brasil está quebrado, precisa de reformas estruturais para que possa voltar a crescer”, destaca.
Ele ressalta, porém, que, ao contrário da aprovação da PEC do teto dos gastos, que saiu do Congresso do jeito que foi encaminhada, a reforma da Previdência exigirá concessões por parte do governo. “O projeto que está sendo analisado pelo Legislativo é muito mais forte do que o previsto. Isso fará com que o debate se estenda por um período mais longo”, avalia. O fundamental, contudo, é que as mudanças no sistema previdenciário sejam sancionadas até o fim do primeiro semestre de 2017, para que o limite imposto às despesas se fortaleça.
Com dificuldades ou não, acrescenta Espírito Santo, as reformas precisam avançar para que o ajuste fiscal se consolide e o BC possa cortar os juros mais rapidamente. Pelas projeções dele, a taxa Selic cairá três pontos percentuais ao longo de 2017. Serão seis quedas seguidas de 0,5 ponto cada uma. “Mesmo em 10,75%, os juros continuarão elevados, caso a inflação fique no centro da meta, de 4,5%”, assinala. Isso quer dizer uma taxa real (descontado o custo de vida) de 5,9%, algo sem precedente no mundo civilizado.
Na visão do economista da Órama, todos os argumentos para que o BC corte os juros estão colocados. A inflação caiu, as empresas estão operando com uma elevada capacidade ociosa e o desemprego é assustador. A recessão não dá trégua. “Derrubar os juros reais implica caminhar muito no ajuste fiscal”, frisa. “Mas ainda estamos no início do processo.” No Palácio do Planalto, a torcida é para que a Selic ceda abaixo de 10%, caindo um ponto já em janeiro. “Isso, no entanto, requer coragem. Resta saber se o BC a terá”, afirma um assessor de Temer.
Brasília, 06h05min