A inflação em alta, os juros proibitivos e o desemprego em disparada se transformaram na tempestade perfeita que as famílias tanto temiam. Não por acaso, pesquisa que a Confederação Nacional do Comércio (CNC) divulga hoje mostra nova queda na intenção de consumo dos lares.
Pelo levantamento, o índice que mede o desejo das famílias de irem às compras (ICF) desabou 5,3% neste mês ante junho e 27,9% na comparação com julho de 2014. Foi o sexto recuo consecutivo, com o indicador cravando 86,9 pontos, o nível mais baixo da série histórica.
O desânimo está disseminado. Tanto nas classes com rendimentos acima de 10 salário mínimos quanto nas camadas com ganhos inferiores, a ordem é pisar no freio. O que mais assusta, na avaliação de Juliana Serapio, assessora econômica da CNC, é que não se vê nenhum ponto de inflexão à frente. As famílias estão sem perspectivas de melhora.
O nível de confiança dos lares com renda menor que 10 salários mínimos tombou 5,1% na passagem de junho para julho. Entre as famílias mais abastadas, a queda foi de 6,5%. Por região, o maior descontentamento com a economia está no Centro-Oeste, apesar dos bons resultados da agricultura e de o Distrito Federal ter boa parte de sua mão de obra empregada pelo setor público.
Na avaliação de Juliana, o país assiste, atualmente, ao desmonte do modelo de crescimento adotado pelo governo, totalmente baseado no consumo. Não se priorizou, nos últimos 12 anos, os investimentos que poderiam dar maior competitividade à economia, inclusive ampliando a produtividade dos trabalhadores.
O resultado desse quadro é que indústria e comércio estão com os estoques elevadíssimos. Sem produção e sem capacidade de girar as mercadorias, as empresas vão demitir. O desemprego maior levará à mais desconfiança. O encalhe aumentará e a economia afundará de vez.
Falta de propostas
Para Evandro Buccini, economista-chefe da Rio Bravo Investimentos, diante do quadro atual, não há dúvidas de que o Brasil viverá a pior recessão desde os anos de 1980, período em que a economia esteve tragada pela hiperinflação. No entender dele, a recuperação, quando vier, será muito lenta.
Segundo ele, ainda não se pode dizer que o país caminha para ter uma década perdida. “Mas, desde 2013, assistimos a uma forte desaceleração da atividade. Por enquanto, podemos dizer que meia década perderemos”, diz. Ou seja, é possível que somente a partir de 2019 a economia volte a crescer acima de 2%, mínimo considerado satisfatório para o Brasil.
Na opinião de Buccini, há boa vontade do governo em resolver problemas emergenciais, como o ajuste fiscal prometido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Estruturalmente, porém, a economia brasileira está com os dois pés fincados no atraso. Nada foi resolvido, a começar pela infraestrutura.
Mas não é só. O ajuste fiscal de Levy não combateu o pior dos males das contas públicas: os gastos excessivos. As despesas continuam crescendo a passos largos. As medidas de arrocho anunciadas até agora passam, principalmente, pelo aumento de receitas, sobretudo as extraordinárias, pondo em dúvida a sustentabilidade de indicadores importantes para a boa saúde do país, como a dívida bruta, que está em 62,5% do Produto Interno Bruto (PIB).
A mesma avaliação é feita pela economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. Para ela, preocupa a estratégia do governo de contar com a elevação da carga tributária e com receitas oriundas da vendas de ativos, de concessões e da regularização de recursos enviados ao exterior sem o conhecimento da Receita Federal para fazer o superavit primário de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano.
Perante esse conjunto de medidas, a impressão de Zeina é de que o governo enfrenta dificuldade para propor uma agenda sólida que enfrente o crescimento inercial de gastos públicos. “De quebra, a busca por novas receitas pode acabar sinalizando ao Congresso que não há urgência de cortes de despesas. Receitas extraordinárias não deveriam ser vistas como medidas de ajuste fiscal”, afirma.
Com tantas dúvidas pairando no ar, é compreensível que famílias, empresários e investidores estejam arredios. O desvio de rota do Brasil nos últimos quatro anos foi longe demais. Reencontrar o caminho da prosperidade levará tempo. E custará muitos e muitos empregos.
Comemoração ponto a ponto
» O Banco Central comemora cada ponto de queda nas projeções de inflação para 2016. Acredita que está vencendo a batalha da comunicação com os agentes econômicos.
Alvos da Lava-Jato
» Muitos acham que a crise política atingiu níveis alarmantes, mas, no Palácio do Planalto, há quem celebre o fato de a Lava-Jato ter chegado com tudo no Congresso e no Tribunal de Contas da União (TCU).
A favor do governo
» Na visão desse grupo palaciano, as denúncias de corrupção diminuem a força do Congresso para tripudiar o ajuste fiscal proposto por Levy e enfraquece a posição do TCU contra as pedaladas fiscais. Será?
O temível tubarão branco
» Imperdível o novo livro do jornalista Lourenço Cazarré A longa migração do temível tubarão branco. Corram às livrarias.
Brasília, 08h55min