ROSANA HESSEL
Com o presidente Jair Bolsonaro cada vez mais acuado pela Justiça e com a pandemia de covid-19 derrubando qualquer chance de crescimento no Produto Interno Bruto (PIB) este ano, o ministro da Economia, Paulo Guedes, passou a ser mais cobrado por resultados concretos tanto pelo presidente quanto pela nova base de apoio, o Centrão.
Quem acompanha o dia a dia do Palácio do Planalto, garante que, daqui para frente, o ministro da Economia estará na mira do presidente. E será cobrado diariamente para apresentar resultados sobre as medidas que o governo tomou para minimizar os estragos provocados pelo novo coronavírus e pela prisão do amigo da família Fabrício Queiroz, conforme divulgou o Blog na semana passada.
A reforma administrativa, que tinha o objetivo de atacar a despesa com pessoal, saiu da pauta da equipe econômica, de acordo com fontes da pasta. E a tributária ainda é uma incógnita, apesar de técnicos e do ministro sempre defenderem uma simplificação com a unificação de tributos federais, mas nada nos moldes de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) no sentido mais amplo, como o de países desenvolvidos. E, para piorar, a falta de medidas eficientes para o socorro de empresas e fraudes na concessão do auxílio emergencial são dois pontos nevrálgicos para a credibilidade do ministro da Economia.
Guedes está ficando sem argumentos para manter o discurso otimista de retomada da economia e muito menos consegue avançar na agenda reformista complementar à reforma da Previdência. Apesar de ser a única promessa que ele conseguiu cumprir quando tomou posse, o mérito não é atribuído a ele, mas ao Congresso, que embarcou a pauta e vinha assumindo o protagonismo, inclusive, na reforma tributária. Nem mesmo a abertura comercial e as privatizações saíram do papel. Dúvidas se ele continuará no cargo voltam a rondar as mesas dos mercados enquanto a promessa de arrecadar R$ 1 trilhão com privatizações virou folclore. E uma das principais críticas ao ministro é a falta de um plano mais claro e mais bem elaborado para tirar o país sair dessa crise.
Nas apresentações que costuma fazer para operadores do mercado financeiro, Guedes insiste em iniciar os discursos afirmando que o país estava decolando no início, mas o avião foi abatido pela crise do coronavírus. Só que os números mostram que nada disso estava acontecendo, apesar de a Bolsa ter ultrapassado 100 mil pontos em um cenário de incertezas para as reformas e o controle dos gastos públicos, especialmente, com a recessão profunda em formação.
A economia brasileira não conseguiu crescer acima de 1% desde 2017 até 2019 devido à baixa produtividade do país e o novo governo não conseguiu adotar medidas eficientes para mudar esse quadro. Depois de registrar queda de 1,5% no primeiro trimestre de 2020, dados preliminares sinalizam que o tombo no segundo trimestre será entre 10% e 15%, na melhor das hipóteses. O desemprego está em alta, encostando nos 13%. Investidores estrangeiros batem em debanda em um claro sinal de que há algo errado, apesar de a taxa básica de juros (Selic) estar no menor patamar da história, enquanto a dívida pública continua crescendo, apesar do recuo em 2019, podendo chegar perto de 100% do PIB até o fim do ano.
Logo, a virada rápida prometida por Guedes e esperada por Bolsonaro está muito longe de acontecer, especialmente, porque o cenário que está sendo vislumbrado poderá ser de uma verdadeira instabilidade no processo de retomada, com aberturas e fechamentos intermitentes dos municípios devido à falta de medidas do governo federal centralizadas e mais efetivas no combate à pandemia. Basta lembrar que, após demitir os dois últimos ministros da Saúde, Bolsonaro continua, há mais de um mês, sem um nome de peso na área científica na pasta.
A falta de um plano de retomada de Guedes para a recessão profunda em que o país mergulhou, aliás, tem deixado analistas preocupados. Contudo, no mercado financeiro, ainda existe uma ala que está otimista devido aos juros baixos e ignora a crise política em torno de Bolsonaro e seus familiares. Um economista de um grande banco de investimentos que pediu anonimato, no entanto, admitiu que já existe uma preocupação de que a pressão de Bolsonaro sobre Guedes vai aumentar, mais no fim do ano. Resta saber se ele vai aguentar a pressão.
“Certamente, Guedes será cobrado por resultados e também será cobrado para mais estímulos, especialmente de gasto com infraestrutura. O Centrão demandará mais presença no governo em troca de apoio para sobrevivência política. Não consigo ver na mesma equação Guedes, central e militares do Planalto. Alguém está sobrando e, no caso, é o ministro da Economia”, avaliou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. Segundo ele, é um cálculo pessoal do ministro saber até quando fica em um governo que está afundando. “Pode ser que ele fique até o final como ficou o Marcílio (Moreira) com o Collor ou o (Nelson) Barbosa com a Dilma, mas cada vez mais terá muita dificuldades em fazer qualquer medida de política econômica razoável”, destacou. Ele descarta avanço de reformas. “O governo Bolsonaro não terá condições políticas de fazer, por exemplo, nenhuma mudança constitucional relevante”, pontuou.
Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), lembrou que a questão do crédito não chegar na ponta para as empresas deve estar incomodando o presidente. Especialistas criticam o modelo para micro e pequenas empresas e falam que ele foi mal desenhado ao ponto de ter que ser refeito. Conforme dados do Tesouro Nacional, dos R$ 404,2 bilhões de recursos extras do governo federal anunciados no combate à pandemia, R$ 176,4 bilhões foram pagos, ou seja, menos da metade. Os financiamentos prometidos para as empresas micro e pequenas, por exemplo, ainda estão travados e os programas estão sendo revisados, atrasando o acesso das empresas aos recursos. “É incrível este atraso. Ele está quebrando muitas empresas que teriam chances de se manter no mercado”, destacou.
A economista e advogada Elena Landau acredita que, por enquanto, Bolsonaro não pode se dar ao luxo de pressionar Guedes. “O presidente não pode tirar ele agora, porque o governo acaba de vez, apesar de o ministro estar cada vez mais desacreditado”, afirmou ela, acrescendo que a crise mostrou que Guedes não tem competência para lidar com pobres.
Dados da Controladoria-Geral da União (CGU) divulgados na quinta-feira apontam o pagamento irregular de R$ 222,9 milhões decorrentes de 317.163 pagamentos a agentes públicos do auxílio emergencial, socorro destinado aos trabalhadores informais e desempregados. Desse total de fraudes, 17,5 mil beneficiários são servidores militares da União, ativos, inativos ou pensionistas e 292,3 mil, agentes públicos ativos e inativos de governos regionais.
Na avaliação de Elena, Guedes não fará como Sergio Moro e renunciar ao cargo, “porque ele acredita que será um grande ministro”. Para o economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), Bolsonaro está acuado, mas entender a relação dele com Guedes é complicado e cabe apenas a um psicólogo. “Que o ministro não engana mais ninguém é óbvio”, afirmou. Ele criticou, inclusive, dados que Guedes anda divulgando da carga tributária, acima de 40% do PIB, incluindo deficit primário na conta, algo que nenhum país da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o chamado clube dos ricos, faz. “Ao invés de se contentar a fazer o que sempre faz, que é apresentar teses estapafúrdias sem comprovação nos dados, o Ministro da Economia resolveu inovar. Para mostrar a necessidade de reduzir a carga tributária brasileira, Paulo Guedes criou um novo conceito de carga tributária, a saber: a soma da carga tributária propriamente dita com o déficit nominal do setor público”, escreveu Oreiro em seu blog.