Para ex-presidente da OAB, Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade

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RODOLFO COSTA

O presidente Jair Bolsonaro cometeu o crime de responsabilidade, previsto na Lei nº 1.079/50. É o que avalia o advogado Cezar Britto, ex-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Para ele, Bolsonaro, ao declarar que sabe como desapareceu no regime militar o pai do atual mandatário da OAB, Felipe Santa Cruz, mas sem informar o paradeiro do corpo e não tomar decisão de ajudar, está incorrendo no mesmo crime que deu origem ao processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

A análise é embasada em condenações do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Na última delas, em 2018, o Estado brasileiro foi condenado pela morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, durante a ditadura militar. Foi a primeira vez que o colegiado reconheceu um assassinato cometido durante o regime como crime contra a humanidade.

Outras condenações semelhantes haviam sido emitidas, como na Guerrilha do Araguaia. A CIDH condenou o Brasil pela omissão em não apurar desaparecimentos durante o conflito que durou cerca de sete anos, entre militares e revolucionários contrários ao regime ditatorial. Ambas sentenças cobraram do Brasil a reabertura de investigações, persecuções, capturas, julgamentos a fim de identificar, processar e punir os culpados pelos crimes contra a humanidade.

Por ser um dos signatários da Organização dos Estados Americanos (OEA), o qual a CIDH faz parte, o Brasil deve cumprir as sentenças estabelecidas pela comissão. Quando Bolsonaro sugere que pode responder como desapareceu o advogado Fernando Santa Cruz, pai do presidente da OAB, Bolsonaro pode ser responsabilizado dentro do crime de responsabilidade por omitir informações sobre um crime contra a humanidade, previsto em sentenças da CIDH.

É o que sustenta Britto. “Bolsonaro estaria cometendo crime de responsabilidade não só pela questão de fazer acusação pública, mas ao tomar conhecimento de crime contra a humanidade e não tomar decisão de ajudar. O Estado tem o dever de achar os corpos de vítimas desses crimes”, destacou, ao Blog. Como ex-presidente da OAB, ele e outros ex-mandatários vão assinar, como advogados de Santa Cruz, a ação que pedirá, no Supremo Tribunal Federal (STF), explicações a Bolsonaro.

O argumento é respaldado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF). No entendimento da instituição, um presidente da República não pode manter sob sigilo informações sobre paradeiro de desaparecido político, sob risco de ser considerado cúmplice. “A PFDC enfatiza que o crime de desaparecimento forçado é permanente, ou seja, sua consumação persiste enquanto não se estabelece o paradeiro da vítima. Dessa forma, qualquer pessoa que tenha conhecimento de seu destino e, intencionalmente, não o revela à Justiça, pode ser considerada partícipe do delito”, informou, em nota.

Calúnia

A ideia não é mover uma ação questionando na Suprema Corte o cometimento do crime de responsabilidade, mas, sim, o crime de calúnia que prevê detenção de seis meses a dois anos de detenção. “Esse tema (crime de responsabilidade) não será abordado, mas, embora tenha relação, vamos ingressar no STF na condição de um pedido de explicação. Há violação e crime de calúnia cometido ao falar as acusações”, ponderou Britto. A ideia é que todos os ex-presidentes vivos da OAB assinem a interpelação.

Até o momento, oito ex-presidentes assinaram. Além de Britto, outros sete ex-presidentes assinaram a ação. Entre eles, os advogados Marcus Vinicius Coelho, Ophir Cavalcante, Marcelo Lavenére, Roberto Busato, Reginaldo Oscar de Castro e Roberto Batochio. Um dos ex-mandatários, que não quis se identificar, diz ao Blog que outros três estão sendo contatados para assinar, totalizando 11 assinaturas. A ideia é encaminhar a interpelação ao STF apenas quando obtiver todas.

O objetivo é evitar constrangimentos. “Poderíamos acabar passando a interpretação que, quem não assinou, não concorda com a ação. E não é isso. Alguns estão com mais idade, não são tão fáceis de serem contatados pelo telefone celular”, justificou a fonte. A pretensão é encaminhar a interpelação entre esta terça (30/7) e quarta-feira (31/7). Mas há quem admita que pode acabar ficando para quinta-feira (1º/8), quando, oficialmente, é retomado o ano legislativo. “Mas dessa semana não passa”, acrescentou.

Assim que a ação for apresentada, ela será distribuída a um dos 11 ministros do STF, que assumirá a relatoria. O magistrado analisará o conteúdo e deverá apresentar o parecer, deferindo ou não. Acatando a interpelação, Bolsonaro será notificado a esclarecer as declarações dadas na segunda-feira (29/7), na saída do Palácio da Alvorada, e em transmissão ao vivo em uma rede social. Caberá ao relator definir se o presidente da República se justificará em juízo ou por ofício.

História combativa

Embora Bolsonaro tenha atacado diretamente a memória do pai de Santa Cruz, todos os outros ex-presidentes da OAB ficaram sensibilizados e escandalizados com as declarações. Para eles, houve uma intenção de atingir toda a entidade, que, dizem orgulhosos Britto e o outro ex-mandatário, tem histórico de combate contra a ditadura. Em setembro de 2015, inclusive, a Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-Rio), vinculada ao colegiado nacional, chegou à conclusão que Lyda Monteiro, secretária da OAB assassinada em agosto de 1980, foi morta por agentes do Centro de Informação do Exército (CIE), ao abrir uma carta-bomba.

O colegiado concluiu que a carta havia sido endereçada ao então presidente da entidade, Eduardo Seabra Fagundes. Mas foi aberta por Lyda, secretária dele. Na época, a OAB denunciava desaparecimentos e torturas de perseguidos e presos políticos. Com base em depoimentos de testemunhas, fotos e retratos falados, o colegiado identificou a participação do sargento Magno Cantarino Motta, de codinome Guarany, como responsável por ter entregue a bomba pessoalmente na sede a OAB. O artefato, segundo afirmou o colegiado, foi confeccionado pelo sargento Guilherme Pereira do Rosário em ação coordenada pelo coronel Freddie Perdigão Pereira.

Vicente Nunes