ROSANA HESSEL
A solução para o problema dos precatórios — dívidas judiciais da União — no Orçamento de 2022 que está sendo buscada pelo governo em parceria com o Judiciário e o Congresso, por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), poderá ser pior para os cofres públicos do que a polêmica Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata do parcelamento dessas dívidas judiciais por 10 anos, a PEC 23/2021.
A avaliação é do presidente da Comissão Especial de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Eduardo Gouvêa. Segundo ele, ainda é preciso ver a íntegra da minuta da proposta do vice-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, que prevê um limite de R$ 39,8 bilhões para os precatórios que seriam pagos neste ano, deixando a maior parte, R$ 49,3 bilhões, para 2023. Essa solução será debatida entre os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, até amanhã, de acordo com Pacheco que esteve reunido, nesta segunda-feira (30/08), com o ministro da Economia, Paulo Guedes, na Residência Oficial do Senado. O senador, inclusive, sinalizou apoio à proposta do CNJ a fim de criar espaço fiscal para o governo fazer um Bolsa Família mais robusto.
“Se essa proposta for aprovada o efeito na dívida será pior do que o da PEC dos precatórios”, alertou Gouvêa. Por conta das multas e dos juros sobre os valores parcelados, além dos novos precatórios que forem vencendo ao longo dos 10 anos do parcelamento previsto na PEC das pedaladas, como vem sendo chamada a PEC 23/2021, essa dívida poderá ficar impagável, porque poderá ultrapassar R$ 1 trilhão, pelos cálculos do especialista que aponta uma série de inconstitucionalidades na PEC das pedaladas. O consenso entre especialistas jurídicos é que essa PEC promove um calote institucionalizado, elevado a insegurança jurídica ao adiar o pagamento de sentenças que já tramitaram, em média, por uma década na Justiça.
Conforme dados do Ministério da Economia, o parcelamento dos precatórios do ano que vem, de R$ 89,1 bilhões, abriria espaço de R$ 35,5 bilhões, no Orçamento, resultado acima da folga anteriormente estimada para o teto de gastos, de R$ 30,4 bilhões, considerando uma inflação de 6,2% para correção das despesas, taxa menor do que as estimativas atuais, que caminham para 8%. Logo, se solução do CNJ, a folga será bem maior, lembrou Gouvêa, para a União se o mesmo limite for aplicado nos anos seguintes. “Todo ano tem processos e valores acima de R$ 50 bilhões, que vão ser acumulados da mesma forma. Eles precisam é serem pagos para não virarem uma bola de neve”, resumiu.
Além disso, o advogado alertou para o fato de que essa solução do CNJ vai interferir na independência do Poder Judiciário em vez de atacar a raiz do problema dos precatórios, que provoca tantos processos contra a União na Justiça. “Essa ideia não faz sendo, porque impõe um limite para o Judiciário trabalhar. O governo não está atacando a raiz do problema”, afirma Gouvêa.
“Neste momento, quando muitos criticam ataques à democracia, é preciso ficar atendo à questão dos precatórios, porque um dos ataques mais graves está ocorrendo. Ao limitar a ação do Poder Judiciário, o governo está dando um sinal de que a questão não é tão relevante quanto as demais. O que é muito preocupante”, alertou o representante da OAB.
De acordo com Gouvêa, a solução do CNJ está sendo buscada de forma atropelada e não poderá ser definida até amanhã, como espera do ministro Paulo Guedes, para poder incluí-la no Orçamento do ano que vem. Essa medida ainda precisará ter um parecer do fórum técnico do CNJ sobre o tema, o Fonaprec (Fórum Nacional dos Precatórios). “Até agora, não fomos consultados”, lamentou o advogado, que é membro do órgão.
O governo tenta encontrar uma saída para adiar parte dos R$ 89,1 bilhões da conta de precatórios do Orçamento de 2022 para abrir espaço para o novo Bolsa Família e outras despesas novas que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vem prometendo para tentar melhorar a popularidade em pleno ano eleitoral, como o reajuste de servidores. De acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que precisa entregar a peça orçamentária até amanhã ao Congresso, como essa previsão precisa ser feita integralmente, o Orçamento ficará “inexequível”, podendo falar dinheiro até para salários, ameaça que foi criticada por especialistas.
Gouvêa lembrou que a OAB preparou uma lista de sete soluções para o problema dos precatórios que podem muito bem ser utilizadas sem ferir a Constituição e sem dar calote nos credores de uma dívida que não cabe mais recurso.
A primeira delas é a compensação fiscal e transação tributária de precatórios de estados e municípios que possuem dívidas com a União. A segunda proposta é a facilitação de credores comprarem imóveis públicos. Uma terceira solução seria a criação de certificado de recebíveis judiciais, como ocorre no setor privado com os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI).
A quarta proposta da OAB para os precatórios é a emissão de títulos públicos de longo prazo para o pagamento dos credores dessas dívidas judiciais, o que ajudaria a alongar o prazo do endividamento da União. A quinta proposta é conciliação e mediação. A sexta, o uso de depósitos judiciais para financiar o pagamento de precatórios. E, por último, o direcionamento dos créditos decorrentes de precatórios para fundo de infraestrutura, via concessões pelo Programa de Parceria de Investimentos (PPI).