A voz das ruas

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O Palácio do Planalto está em estado máximo de alerta. Há uma enorme preocupação com o que poderá vir das ruas nas manifestações marcadas para este domingo. Ainda que o ato tenha como principal objetivo defender a Operação Lava-Jato, interlocutores do presidente Michel Temer ressaltam que o sentimento de quem promete protestar é difuso, facilitando que o governo acabe se tornando o centro das atenções.

Nos últimos três dias, o Planalto decidiu, estrategicamente, se recolher. Em meio à feroz disputa entre o Legislativo e o Judiciário, por causa do projeto que trata das 10 medidas de combate à corrupção, Temer se retirou de cena para não correr o risco de ser engolfado pela revolta da população com o Congresso. Mas há uma identificação enorme do governo com os parlamentares que votaram pela desfiguração das propostas feitas pelo Ministério Público.

O problema para o governo aumenta porque há um descontentamento enorme com a economia. Havia uma expectativa de que, já neste fim de ano, a atividade começasse a engatar força, movida pelas encomendas de Natal. As fábricas, no entanto, continuam com grande ociosidade e, pior, demitindo. O varejo segue na mesma toada: vendas fracas e postos de trabalho fechados. O desemprego em massa faz os ânimos das famílias se exaltarem. Nas ruas, tendem a sair do controle.

Como ressalta uma raposa velha com importante trânsito no Planalto, tudo de ruim se juntou e pode explodir no colo de Temer. A gritaria contra o presidente do Senado, Renan Calheiros, que foi derrotado em uma manobra para votar o projeto que desfigurou as medidas anticorrupção e transformado em réu pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pode bater no governo. A revolta contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que viabilizou as alterações nas 10 medidas, fez a população perder de vez a paciência com os políticos.

“Nesse bolo de insatisfação está Temer, mesmo que ele não tenha nada a ver com isso. As manifestações, portanto, podem levar muita dor de cabeça ao Planalto. É bom o presidente se preparar”, avisa um ministro. Ele lembra que, neste momento, não há nada que o governo possa fazer para minimizar os estragos provocados pela política. “Apesar de muito importantes, as medidas que estão sendo tomadas, como a que limita o aumento dos gastos públicos, só terão efeito a longo prazo. Não vão tirar a economia da recessão rapidamente, como se esperava”, acrescenta.

Fatura das incertezas

Na opinião do cientista político Paulo Kramer, professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), tempos difíceis estão por vir para o governo, pois o embate entre o Legislativo e o Judiciário podem agravar ainda mais os problemas da economia. Os investidores, que vinham se animando a ampliar a produção, pisaram de novo no freio. As famílias temem por mais dificuldades à frente e cortam o que podem no consumo. É a fatura das incertezas.

Mas não é só. Nesse ambiente tumultuado, se as adesões às manifestações forem grandes — quase 210 cidades já confirmaram atos para este domingo, sendo 26 capitais —, a instabilidade fechará portas importantes. O Planalto precisará de um discurso muito bom para se segurar na turbulência. É visível que a equipe econômica está fazendo um excelente trabalho para tentar arrumar o estrago provocado por Dilma Rousseff. Mas é imprescindível que todo o governo ajude.

“Infelizmente, a ala política do governo não dá trégua. É um problema atrás do outro. A crise provocada por Geddel Vieira Lima (ex-secretário de governo) com o apartamento de Salvador foi uma loucura. Só detonou o botão da insatisfação”, ressalta um técnico da equipe econômica. “Agora, depois de todos os problemas que criaram, querem empurrar para nós a responsabilidade pelo descontentamento. É injusto”, emenda.

O mesmo técnico enfatiza que o governo não pode perder o rumo. Deve manter firme o discurso da austeridade. Abrir mão do compromisso com o ajuste fiscal e o combate à inflação só levará o Brasil de novo para o precipício. “Temos, novamente, um problema de confiança, com delações importantes que vão pegar gente graúda do governo”, diz. Especula-se, sobretudo, sobre repasses da Odebrecht a Eliseu Padilha (Casa Civil) e a Moreira Franco (responsável pelos programas de concessões e privatização). “Portanto, é vital mantermos a coerência. Não há espaço para retrocessos por meio de ações populistas, como se fossem resultar em mais popularidade para o governo. Isso é receita certa para o desastre”, conclui, coberto de razão.

Brasília, 06h50min

Vicente Nunes