PAÍS DA FICÇÃO

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A presidente Dilma Rousseff parece estar satisfeita com as divergências na equipe econômica num momento em que o país precisa, urgentemente, de convergências de ações para tentar sair da crise na qual ela afundou o país. A petista trata as disputas entre os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, como se fossem brigas de família, sem a menor importância. Em todas as vezes que prevaleceu esse embate na equipe econômica, foi o Brasil quem perdeu. O momento é gravíssimo para o governo caminhar rachado. A divisão só estimula a desconfiança e amplia os riscos de o país perder o grau de investimento. A maior parte dos analistas, por sinal, já dá o rebaixamento como certo. Projetam que, com o Brasil incluído no grupo de nações caloteiras, o dólar chegará a R$ 4,50 e o Ibovespa, índice que mede a lucratividade dos papéis mais negociados na Bolsa de Valores de São Paulo, cairá para os 33 mil pontos. Será o inferno, como define um técnico da equipe econômica. A sensação que se tem ouvindo Dilma e Barbosa é de que eles vivem num mundo paralelo. O ministro do Planejamento afirma que o pior da recessão ficou para trás. Foi desmentido por um órgão público respeitável, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ao detalhar os números da indústria. Em vez de melhorar, a produção desabou 9% em julho ante igual período do ano passado. A fabricação de bens de capital teve desempenho mais assustador: recuou 28% na mesma base de comparação. Esse segmento é um forte indicativo de como vão os investimentos produtivos. Barbosa fala que o terceiro trimestre será melhor do que o segundo, quando houve contração de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB). Para que isso aconteça, setembro terá que ser um mês espetacular, o que está longe de acontecer. Todos os indicadores antecedentes de julho e de agosto foram piores do que os registrados entre abril e junho. E mais: em pelo menos dois meses do segundo trimestre, tanto a indústria quanto o varejo vieram melhores do que as estimativas do mercado. A tendência é de a recessão se aprofundar, com forte disparada do desemprego. Há apostas entre os economistas de que a retração do PIB no terceiro trimestre poderá chegar a 2,5%. Supondo que essa taxa se repetisse por quatro trimestres seguidos, ou seja, fosse anualizada, o país estaria encolhendo a um ritmo de 10%. Não há, portanto, como o ministro do Planejamento falar em melhora. Ao insistir nesse discurso, ele corre o risco de se tornar um novo Guido Mantega, do qual foi subordinado e com o qual saiu brigado — o ex-ministro da Fazenda acusava Barbosa de queimá-lo nos bastidores. Desarranjo Num quadro desastroso como esse, seria esperado que o Banco Central cortasse juros para estimular a atividade. A instituição, porém, optou por manter a taxa básica (Selic) em 14,25% ao ano, o que significa juros reais superiores a 8%, quando descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses. Não há lugar no mundo que se pague rendimento tão alto para os títulos públicos. Apesar desse exagero, os investidores querem mais. Nos leilões de títulos realizados semanalmente pelo Tesouro Nacional, para financiar o rombo nas contas públicas, os juros aumentam a passos largos, o que agravará o deficit fiscal. Além disso, está havendo o encurtamento dos prazos dos papéis, refletindo que o risco Brasil está cada vez maior. É possível que o Credit Default Swap (CDS), uma espécie de seguro contra calote, salte dos atuais 360 para 400 pontos até o fim do ano. Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Partners, compara esses movimentos aos observados antes do Plano Real, sem, é claro, o processo hiperinflacionário. Há, no entender dele, uma desarrumação grande na economia, que vai se agravar com a retomada da inflação caso o dólar continue subindo. Na reunião de julho do Comitê de Política Monetária (Copom), a moeda norte-americana estava cotada a R$ 3,25. Ontem, fechou a R$ 3,76. Somente isso já seria motivo para o BC acender o sinal de alerta. Se o dólar chegar a R$ 4,50 com o rebaixamento do país, a perspectiva é de que a inflação em 2016, que os especialistas projetam em 5,5%, salte para 7%, acima do limite de tolerância, de 6,5%. Por isso, as apostas de alta dos juros nos próximos meses voltaram com tudo. Mentiras A presidente Dilma nem pode ouvir falar do assunto, pois sabe que juros menores significam o prolongamento da recessão que ela estimulou. Nos recentes encontros que teve com os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha, a petista disse que a perspectiva é de que a taxa Selic comece a cair nos próximos meses. Garantiu que a inflação está perdendo força e que o Banco Central já se sentiria mais confortável para dar uma ajuda à atividade. Usou esse discurso para convencê-los a apoiarem a aprovação do Orçamento de 2016 no Congresso. Dilma parece ter se especializado em mentiras. O quadro, quando se olha para a frente, é assustador. A proposta orçamentária encaminhada ao Legislativo na última segunda-feira se mostra cada dia pior. As análises mais profundas dos especialistas mostram um projeto cheio de falhas. A estimativa de deficit de R$ 30,5 bilhões é uma fração do rombo verdadeiro que o governo não mostrou e pode chegar a 1,2% do PIB, ou R$ 73 bilhões. Enganação tem custos. E o país não merece arcar com isso, sobretudo por meio do aumento de impostos. Como se viu ontem, Dilma não desistiu da CPMF, o famigerado imposto sobre o cheque. Ela quer transferir para a sociedade toda a incompetência com que administrou as contas públicas do país nos últimos anos.

Brasília, 00h01min

Vicente Nunes