PAÍS EMPACADO

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PAULO SILVA PINTO

 

Os investidores estrangeiros vêm acompanhando com atenção redobrada o que está acontecendo nesta semana no Brasil, e veem com certa apreensão o cenário nas próximas semanas e meses. As apostas predominantes no mercado, aqui e fora, são de que Michel Temer passe do anexo do Planalto ao quarto andar do prédio principal no início de maio. Não terá ainda assumido oficialmente a Presidência, mas, uma vez instalado no gabinete presidencial, as chances de Dilma Rousseff tirá-lo e lá, escapando do impeachment no Senado, serão muito próximas de zero — não é o caso, ainda, das chances atuais de ela permanecer no cargo.

 

A vida de Temer não será fácil, o que ele admite, aliás, no pronunciamento à nação que, segundo sua assessoria, foi divulgado por engano. Há chances bem razoáveis de que, convertido em chefe de Estado e de governo, Temer consiga alguns avanços na economia, mas isso não deve ser superestimado, avaliam analistas. “O ambiente político continuará tóxico”, alerta João Augusto de Castro Neves, diretor para a América Latina da Eurasia, consultoria global especializada nas consequências da política para o mundo dos negócios.

 

O balanço atual de apoio parlamentar deve mudar com a incorporação de parte da oposição ao governo — PSDB, PSB e DEM são fortes candidatos a um governo de coalizão. Haverá, ainda, a soma do PMDB oposicionista à bancada. E grande parte dos que integram a base governista hoje deverá continuar, sobretudo os pequenos partidos que negociam abertamente cargos e verbas. Mas, obviamente, Temer não poderá contar com o PT, que fará uma oposição ruidosa no Congresso e nas ruas. Voltaremos a ver a força desse grupo como entrave, reprisando a época do governo tucano. E o PC do B deverá colaborar nessa tarefa.

 

Nesse cenário, são pequenas as chances de aprovação de grandes reformas, como a da Previdência, que traria melhora das perspectivas para a dívida pública a longo prazo, resultando em ganho imediato na percepção de risco do país e no custo de financiamento. Outra grande reforma vista como necessária pelo mercado é a trabalhista, que poderia reduzir custos dos negócios ao diminuir a despesa para demissões, por exemplo — as chances de isso passar em um cenário de alta do desemprego são abaixo de zero.

 

Há, ainda, a tributária, também muito difícil, por envolver conflitos regionais. Se isso não foi possível nem mesmo a chefes de Estado sagrados pelas urnas, que desfrutaram lua de mel no Legislativo, não se pode esperar isso de um presidente que chega como substituto, em um ambiente conflagrado.

 

O que será possível fazer, então? Por exemplo, aponta Castro Neves, a flexibilização do regime de partilha, permitindo que a Petrobras tenha participação menor no Pré-Sal. Ou a independência do Banco Central, com mandatos fixos para o presidente e os diretores e a obrigação de cumprir metas de inflação, mas também observando critérios de emprego e crescimento, como faz o Fed, o banco central norte-americano. Nos dois casos, tratam-se de propostas que são amplamente defendidas pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), daí as grandes chances de serem aprovadas.

 

São mudanças significativas, mas que estão longe de ajudar a evitar o deficit primário de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) esperado para este ano — seria necessário superavit de pelo menos 3% para levar a dívida pública a uma trajetória sustentável.

 

O deputado Beto Mansur (PRB-SP), primeiro-secretário da Câmara, acredita que será, sim, possível aprovar reformas significativas em um eventual governo Temer. Ele aposta em um grande programa de concessões de rodovias e, até mesmo, de privatização de algumas estatais. Mas isso só será possível para a etapa posterior, depois que o novo presidente estiver, de fato, empossado no cargo.

 

Até lá, o caminho será longo e difícil. Temer enfrentará ainda o risco de cassação da chapa pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para a Eurasia, a chance de ele ter de deixar o cargo antes do fim de 2018 é razoável: 35%. Bem menos, certamente, aos 70% atribuídos às chances de saída de Dilma antes mesmo da votação na comissão de impeachment e das defecções que o governo sofreu ontem ao longo do dia no Congresso.

 

Recessão atrapalha

 

As chances de Temer ficar no cargo e de,uma vez lá, conseguir aprovar medidas transformadoras, tendem a diminuir no caso de a recessão continuar se agravando. Ontem, o Itaú destacou que o PIB brasileiro mensal calculado pela instituição atingiu queda de 4,1% no acumulado de 12 meses, a maior retração desde o início da série histórica, em 2003. E o desempenho negativo está amplamente espalhado, em cinco dos 10 índices que compõem o PIB mensal. O Fundo Monetário Internacional (FMI) aumentou de 3,5% para 3,8% a perspectiva de queda do PIB brasileiro neste ano. No caso da Rússia, dependente do petróleo, a estimativa mudou em sentido inverso, com menor recessão neste ano e crescimento ainda maior em 2017.

 

O novo presidente poderá culpar a antecessora. Terá bons argumentos para isso, mas pouca audiência. Todo mundo já conhece a situação e estará ainda mais farto dela daqui a alguns meses. O problema passará a ser dele.

 

Ou não. Há chances ainda razoáveis — embora decrescentes — de que Dilma consiga apoio de um terço dos deputados para enterrar o atual processo de impeachment. “Se isso acontecer, Lula é que será o presidente de fato”, diz Castro Neves, da Eurasia. Ele tentará ganhar o apoio da esquerda, incluindo seu partido, no discurso, mas fará políticas de centro para garantir apoio no Congresso. Só que as chances de aprovar reformas serão ainda menores do que as de Temer.

 

Em caso de derrota no impeachment, o governo vai agitar a próxima semana com ações na tentativa de recobrar o ânimo do país. Fala-se até mesmo na possibilidade de Lula lançar uma nova carta aos brasileiros, como a que fez em 2002. Impossível que ele evite a disparada do dólar e a queda da bolsa de valores. No cenário inverso, de aprovação do processo de impeachment, o real deve cair ainda mais e a bolsa subir. Mas ninguém espere um movimento sustentável.

 

O economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, destaca que o real é a segunda moeda que mais se valorizou neste ano, atrás apenas do Kwacha, da Zâmbia. O Ibovespa subiu 32,1% em dólares, a maior alta entre os mercados emergentes e desenvolvidos. Não há perspectivas de esse ritmo de alta se manter por muito tempo diante da situação ainda pouco alentadora da nossa economia.

 

Brasília, 09h20min