PAULO SILVA PINTO
A presidente Dilma Rousseff propôs a criação de um pacto nacional a ser construído depois da votação da admissibilidade do impeachment pela Câmara no próximo domingo. Certamente essa tarefa será algo central no país nas próximas semanas, mas são ínfimas as chances de que Dilma seja a protagonista das discussões.
Tal incumbência caberá a Michel Temer, no exercício da Presidência da República, ainda que não empossado no cargo de modo permanente. Pelo quadro que se vê hoje, só um grave imprevisto pode mudar o resultado da votação da admissibilidade do impeachment, prevista para domingo.
Os últimos tempos têm sido pródigos em reviravoltas, em previsões que se desmentem depois de poucas horas. Mas agora os sinais são de que tudo caminha para um desfecho inevitável. O número de votos no domingo a favor do impeachment deverá ultrapassar de longe os dois terços necessários. Muita gente que ficou com o governo na comissão especial deverá mudar a decisão para se adequar às decisões das bancadas sobre o tema.
Questão federativa
Temer só passará ao quarto andar do Planalto no início de maio, quando o Senado abrir de fato o processo de impeachment — o que é dado como certo, uma vez que a Câmara aprove a admissibilidade. Antes disso, porém, já terá que trabalhar intensamente no pacto nacional, começando por um dos itens mais importantes: a questão federativa. A discussão sobre a dívida dos estados deverá ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 27 de abril, provavelmente antes de Temer se tornar presidente.
O assunto tem grande potencial de estrago, pois poderá elevar o rombo do governo federal em R$ 313 bilhões. O Fundo Monetário Internacional (FMI) anunciou ontem a previsão de que a dívida pública brasileira chegue a 92% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019. Uma das metas de Temer deverá ser impedir que o passivo cresça a esse ponto. Será muito ruim se, ao contrário, ele já chegar com a perspectiva de um quadro ainda pior do que o que se espera.
As divergências sobre a dívida não são novas, mas obviamente ficaram piores com o enfraquecimento político do governo. O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, é o único que se dedica ao tema no primeiro escalão do governo. A falta de qualquer menção da presidente Dilma a algo que implica tamanho risco é, na avaliação de parlamentares, uma demonstração de que ela já desistiu de governar.
O que os estados reivindicam é a aplicação de juros simples em vez dos compostos no cálculo das dívidas, uma mágica que poderá dar um desconto acima de 75% nos passivos caso se faça a mudança de conta de forma retroativa. O cálculo foi estabelecido por uma lei de 1997, quando a União assumiu os saldos devedores e concedeu grandes descontos. Desde então, o tamanho das obrigações caiu muito. De 13% do PIB em 2003 para 8% neste. Agora, em meio à queda na arrecadação e dificuldades para pagar contas mensais, incluindo o salário de servidores, a saída encontrada foi brigar por uma saída na fatura financeira devida ao governo federal.
Liminares
Três estados já conseguiram liminares para a mudança do cálculo: Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Outros cinco estão na fila: Alagoas, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro. Mas, certamente, se valer para um, valerá para todos. E muito mais do que os estados: o sistema financeiro pode ser inviabilizado, pois poucas operações são feitas em juros simples no país ou no mundo. Elas se resumem a operações informais, diz o matemático José Dutra Sobrinho. Por exemplo, no caso de uma dívida de R$ 100, com juros de 5% ao mês, resulte em uma conta de R$ 120 no fim do período. Com juros compostos, a conta fica em R$ 121,55, pois o índice do primeiro mês é incorporado ao passivo, e assim sucessivamente.
Roberto Campos, que foi ministro do Planejamento, embaixador e parlamentar, fez piada em uma discussão na Câmara nos anos 1990, quando alguém propôs que as dívidas tivessem cálculo por juros simples. “É um atentado à matemática”. Talvez agora seja necessário incluir a aceitação dessa ciência na formulação do pacto nacional.
Dutra acha que não será fácil. Professor de quatro cursos de MBA em finanças, ele diz que 70% das pessoas com nível superior desconhecem conceitos simples da matemática. No STF e em outros tribunais superiores, diz, o problema é ainda pior. “Eles estudaram muito o direito, mas se esqueceram da matemática”. Na terça-feira, com a admissibilidade do impeachment já votada, haverá uma reunião entre representantes dos estados e do governo federal, mediada pelo ministro Fachin, do STF.
Além do Judiciário, há outro front de batalha: o Congresso. O governo enviou um projeto que reduz o fator de correção mediante a aceitação de compromissos por parte dos estados, que, se não forem cumpridos, acarretam a diminuição com gastos de custeio e com a folha salarial. Parlamentares do próprio PT, partido de Dilma, derrubaram as obrigações dos estados. “Se for para ficar assim, é melhor não mudar nada”, resume a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif.
Para o economista Claudio Porto, presidente da consultoria Macroplan, será possível encontrar uma saída. “É preciso uma solução negociada, que Temer, se for presidente, terá condições de construir”, aposta.
Brasilia, 06h48min