>> DIEGO AMORIM
Quando um bêbado desponta na emergência de um hospital público, seguranças, enfermeiros e médicos já sabem que terão trabalho redobrado. Atender um paciente alcoolizado chega a levar seis vezes mais tempo do que um sóbrio com os mesmos sintomas. A equipe precisa ser reforçada. Geralmente, utilizam-se mais medicamentos e materiais, e o período de recuperação no leito, se for o caso, também costuma ser maior.
O álcool está relacionado a 16,3% dos atendimentos por acidentes e violências em unidades de urgência do Sistema Único de Saúde (SUS) nas capitais e no Distrito Federal, segundo o Ministério da Saúde. Responde por metade das internações por agressões, 36,7% dos casos de lesões autoprovocadas, 11,1% dos atendimentos por quedas e 4,3% das entradas por queimaduras em prontos-socorros.
O impacto do alcoolismo na rede pública de saúde, afirma o psiquiatra Enrin Hunter, é ainda maior do que as estatísticas conseguem captar. Aos 72 anos e considerado referência no tratamento do alcoolismo, ele calcula que quatro em cada 10 atendimentos no Brasil guardam algum tipo de relação com o álcool. “É preciso contabilizar até mesmo as mulheres que caem na depressão por conta do vício do marido”, exemplifica.
Mesmo com idade para se aposentar, Hunter segue trabalhando firme no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) especializado em álcool e drogas de Ceilândia, a cidade mais populosa do Distrito Federal. Apenas em 2014, a unidade registrou 18 mil atendimentos, sendo 80% associados ao álcool. Toda semana, o médico da Secretaria de Saúde do DF visita leitos de hospitais para “pescar” pacientes alcoolizados e dar a eles atenção especializada.
Por ano, diz Hunter, o país deixa de economizar milhões de reais por estratégias equivocadas no combate ao alcoolismo. Um paciente bêbado, detalha ele, jogado em uma emergência provavelmente será internado por intoxicação — com custo elevado de exames e ocupação de leito —, mas logo receberá alta e voltará a beber. “O alcoolismo é doença e precisa de uma vez por todas ser tratado como tal”, defende, com veemência.
Se uma pessoa que não bebe necessita de atendimento médico duas vezes por ano, os alcoólicos demandam o serviço até cinco vezes mais. As equipes médicas, acrescenta Hunter, estão pouco atentas a essa realidade. O psiquiatra lembra de um paciente de 30 anos que se envolveu bêbado em uma briga e, ferido, precisou receber pinos nas pernas. Após a alta médica, entrou em abstinência e arrancou os ferros, necessitando de nova intervenção cirúrgica, com custo para o Estado. “Os recursos estão mal alocados. O Brasil precisa de leitos próprios para tratar alcoolismo”, sugere o psiquiatra Leonardo Moreira, especialista em dependência química.
Em períodos festivos, como carnaval, Natal e ano-novo, médicos e enfermeiros temem a escala dos plantões noturnos. A maior parte dos atendimentos nas emergências tem a ver com álcool. “São pacientes envolvidos em quedas, brigas, acidentes. Causam um grande distúrbio no ambiente hospitalar e aumentam o estresse da equipe”, comenta o psiquiatra Jorge Jaber, presidente da Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas (Abrad).
Seguranças pagos pelo Estado para cuidar do patrimônio público não raramente são obrigados a também entrarem em consultórios para conter bêbados. “O paciente alcoolizado quase sempre não tem noção de censura: grita, cospe, bate, fala palavrão, se acha o dono do pedaço”, relata a médica Izabel Carneiro Campelo, com 30 anos de experiência na rede pública de Goiás e do Maranhão. “Não é à toa que alguns médicos têm medo de atender pacientes com sintomas de embriaguez”, completa.
Às 15h do primeiro dia deste ano, um paciente chegou a um hospital de Aparecida de Goiânia (GO) com um profundo corte na perna. Ele havia caído de moto, bêbado, na noite do réveillon, mas preferiu ir para casa dormir a procurar um médico. Na mesma unidade, a polícia acabou sendo chamada para deter uma jovem, também alcoolizada, que estava tirando a roupa na emergência. “Os pacientes embriagados atrasam atendimentos e tumultuam o hospital”, reforça Izabel.
Porta aberta à falta de limites
O fenômeno das festas open bar preocupa pesquisadores do Ministério da Saúde. Pagar uma quantia fixa para beber à vontade, avaliam, funciona como convite escancarado à embriaguez. Não por acaso, os postos médicos nesses lugares costumam ficar lotados no fim da noite. “Muitos passam a festa inteira bebendo e sem tomar água ou se alimentar”, comenta a médica Deborah Malta. No Distrito Federal, um projeto de lei ainda não sancionado quer regulamentar a venda de ingressos para esse tipo de ambiente. “O que mais vemos nesses casos são jovens extremamente bêbados por não saberem dosar o limite”, alega o ex-deputado Alírio Neto (PEN), autor da proposta.
Brasília, 21h01min