O governo avaliou como positiva a reação dos investidores em relação à equipe econômica anunciada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, mas tem a exata noção de que o resgate da credibilidade ainda está muito longe. Uma coisa é a nomeação de técnicos conceituados para cargos estratégicos. Outra é conseguir aprovar medidas impopulares e duras num país dividido. Os primeiros dias de Michel Temer no comando do Palácio do Planalto evidenciaram bem que o peemedebista ainda não tem o apoio necessário para fazer o dever de casa. Por uma razão simples: nem os seus ministros se entendem sobre o caminho a ser seguido. Não por acaso, o presidente interino foi obrigado a desautorizar vários dos subordinados.
Os governistas mais exaltados falam em time dos sonhos na Fazenda. Mas esquecem que, no meio do caminho, há um Congresso muito pulverizado, que não desperta a confiança de que os agentes econômicos precisam para sair da retaguarda. Para que isso comece a acontecer, Temer terá que dar uma demonstração de força nos próximos dias, quando projetos importantes de interesse do governo irão à votação. O mais importante deles, a mudança da meta fiscal deste ano, que permitirá ao setor público fechar no vermelho sem o risco de ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O presidente interino se empenhou, pessoalmente, em articular a votação da nova meta. Contudo, continua latente o risco de fracasso e de o governo ter que paralisar as atividades até que o Congresso dê aval à mudança do indicador. O prazo expira no fim de maio. O problema se torna maior porque a equipe econômica que tomou posse ontem sequer sabe o tamanho real do buraco nas contas públicas. A cada nova rodada de análise dos números, o rombo se torna maior. Esse, por sinal, é o argumento que vem sendo usado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, para adiar a votação da meta. Ele quer que o governo defina, como clareza, qual objetivo perseguirá, para não ser obrigado a pedir nova alteração ao longo do ano.
Risco de frustração
O voto de confiança dado ao governo Temer pelos investidores não pode ser entendido como complacência. O histórico de frustrações deixou todos muito ariscos. A paciência está curta. Ao menor sinal de derrota no Congresso ou de atraso na reforma da Previdência Social, as turbulências voltarão e os mínimos sinais de reativação da atividade desaparecerão por completo. Temer não pode brincar com a economia. Assim como a forte recessão, a inflação alta e o desemprego foram decisivos para o afastamento de Dilma Rousseff, o agravamento da crise encurtará rapidamente o que já é provisório.
Meirelles tem dito aos mais próximos que não largou o conforto da iniciativa privada para voltar para casa como derrotado. Por isso, assumirá parte da articulação política a fim de levar adiante a aprovação das medidas que conta para tirar a economia do atoleiro. Ele acredita no empenho do presidente interino de comprar brigas com sindicatos e corporações, mas não esconde o temor de que as reformas acabem ficando na promessa. O discurso dos que trabalham com o ministro é o de que Temer, por não ter compromisso com as urnas, pode recorrer a medidas duras, como cortes de gastos e mudanças nas leis trabalhistas e no sistema previdenciário, sem temer o tiroteio contrário. Só o tempo dirá se estão certos.
O Planalto, no entanto, sentiu que a força política do presidente interino não é a que se pensava, mesmo com a montanha de votos a favor do impeachment de Dilma. Já se observa uma rebelião entre os partidos periféricos por causa da liderança do governo na Câmara. Cerca de 300 votos estarão em jogo, caso Temer insista em dar o cargo para o DEM ou o PSDB. Outro ponto de fragilidade: apesar de a equipe de Meirelles considerar a recriação da CPMF importante para a arrumação das contas públicas, o presidente abriu a possibilidade de retirar da Comissão e Constituição e Justiça (CCJ) o projeto que trata do tributo. Recuos como esse não soam bem entre os agentes econômicos.
Espírito animal
Ao mesmo tempo em que precisará mostrar força política, Temer terá que apresentar resultados urgentes na economia. Para isso, precisa resgatar o espírito animal do empresariado. Fato que só acontecerá se o ajuste fiscal sair do papel, o que permitirá ao Banco Central começar a reduzir a taxa básica de juros (Selic), que está em 14,25% ao ano. O futuro presidente do BC, Ilan Goldfajn, não arriscará a reputação ao cortar juros se não tiver a certeza de que o Tesouro Nacional está fazendo o impossível para reverter o rombo de até R$ 150 bilhões previstos para este ano.
O atual comandante do BC, Alexandre Tombini, viu sua credibilidade ruir justamente porque acreditou nas falsas promessas do Tesouro de que entregaria superavits suficientes para diminuir a pressão inflacionária e conter a evolução da dívida pública. Mesmo com as seguidas frustrações, manteve a política monetária frouxa. Ilan, por várias vezes, criticou esse comportamento leniente do banco. Portanto, é esperado que não se deixe enganar. Ele sabe que o mercado não o perdoaria.
Diante desse quadro, o que se pode dizer é que Temer e Meirelles estão caminhando sobre uma superfície muito frágil, que pode romper a qualquer momento. Ou dão respostas rápidas e contundentes, ou vão para o mesmo lado da história que estão Dilma Rousseff e todos que, com ela, embarcaram nas maluquices que levaram o Brasil para o Buraco. O caminho nessa direção é bem curto. E as portas estão escancaradas.
Brasília, 08h28min