OU VAI OU RACHA

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É duro dizer, mas a presidente Dilma Rousseff já virou passado. Com a decisão do Senado de afastá-la do cargo, todas as atenções se voltam, agora, para Michel Temer, que terá a obrigação de tirar o Brasil do atoleiro. Ao chegar ao comando do governo por meio de um traumático processo de impeachment da chefe do Executivo, ele não poderá errar. Ao menor sinal de que não terá condições de reverter os graves problemas fiscais e de resgatar a confiança dos agentes econômicos, levará o país a mergulhar em uma crise muito mais profunda que a que resultou no fim da era PT.

Não há dúvidas de que Temer deu um passo importante ao escolher Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda e Ilan Goldfajn para o Banco Central. São dois nomes respeitados por empresários e investidores, com passagens relevantes pelo BC. Mas nomes não são suficientes para garantir o sucesso da empreitada que está por vir. O Brasil está de joelhos. Precisa urgente de um choque de credibilidade. O setor produtivo e as famílias necessitam ter a certeza de que as medidas a serem tomadas realmente trarão resultados. A decepção com Dilma foi grande demais para haver complacência com o peemedebista.

O país clama pela retomada do crescimento. Essa é a chave para a solução de parte dos graves problemas que o governo enfrenta. Com a atividade retomando o fôlego, a arrecadação voltará a crescer, ajudando a reduzir o deficit público, que, neste ano, encostará nos R$ 100 bilhões. A economia mais forte também inibe as demissões e contém a renda dos trabalhadores. Há, atualmente, 11,1 milhões de brasileiros desocupados — um recorde. Isso significa que 44,4 milhões de pessoas estão diretamente afetadas pela falta de emprego. Não à toa, a situação financeira das famílias é desoladora.

Risco de calote

O relógio contra Temer já começou a correr. Ele precisa reverter as terríveis projeções para a economia. Depois de cair 3,8% em 2015, o Produto Interno Bruto (PIB) pode encolher 4% neste ano. Em quase cem anos, nunca o país registrou dois anos seguidos de contração. Nas contas dos analistas, o desemprego pode ir a 14%, o que ampliará o número de desocupados em pelo menos 3 milhões. A dívida pública, que está em 67% do PIB, pode chegar a 80% nos próximos dois anos. O risco de o governo decretar calote aumentou consideravelmente. Essa é a herança maldita de Dilma.

Meirelles não é um especialista na área fiscal. Por isso, os agentes econômicos vão pressioná-lo para agir rápido, inclusive anunciando medidas impopulares para indicar uma reversão a médio prazo dos rombos fiscais. O maior abacaxi a ser descascado pelo quase ministro da Fazenda é a Previdência Social, cujo rombo dobrará entre 2015 e 2017. Antes mesmo de tomar posse, ele já vem sendo bombardeado por políticos ligados a Temer e pelas centrais sindicais. Contudo, o ex-presidente do Banco Central já avisou a interlocutores que está disposto a comprar brigas. Ele diz ter carta branca para fazer o que precisa ser feito. Não será gritaria contrária que vai intimidá-lo.

O governo Dilma cometeu grandes erros justamente porque não foi firme em seus propósitos. No mesmo dia em que prometia uma coisa, mudava de opinião, alimentando incertezas. A própria presidente tratava de desqualificar propostas e projetos. Por isso, nada andou. O país perdeu um tempo precioso. É a repetição desse filme que os investidores temem. Portanto, se a equipe chefiada por Meirelles não apresentar um plano crível de salvação do sistema previdenciário, corrigindo distorções, acabando com privilégios e dando sustentabilidade às contas, o fracasso será a marca da gestão de Temer.

Malabarismos

O Banco Central, sob o comando de Ilan, também está com o destino amarrado ao ajuste fiscal. Há um clamor do empresariado pela queda dos juros para viabilizar os investimentos que serão a base da recuperação da economia. Não há, porém, como se falar em corte da taxa básica, de 14,25% ao ano, com a inflação acima de 9% sem que o governo dê a sua cota. A gastança desenfreada dos últimos anos jogou o custo de vida nas alturas, que resiste a cair mesmo com a profunda recessão. Caso o BC veja realmente um compromisso consistente com o equilíbrio das contas públicas, pode, mais à frente, dar o alívio monetário que todos esperam.

Pelos cálculos dos especialistas, se Temer apresentar um plano econômico factível, o BC terá condições de levar a Selic para 10% ao ano até meados do próximo ano. Com isso, as despesas com a dívida cairão, ajudando o Tesouro Nacional na dura tarefa de tirar suas finanças do vermelho. “É impressionante como todas as medidas nos levam ao ajuste fiscal. Está tudo amarrado”, diz um dos mais próximos auxiliares de Temer. “Então, é por aí que temos que começar. Não tem mágica. Tudo está claro. Todos sabem o que fazer”, acrescenta.

Se conseguir passar os próximos 60 dias sem recorrer a malabarismos, Temer enterrará de vez qualquer probabilidade de Dilma voltar ao Palácio do Planalto. Com isso, ampliará o horizonte da presidência interina de até 180 dias. Mas isso não significará alívio. O peemedebista venceu no Congresso, mas está muito longe de ter apoio popular.

Brasília, 09h07min

Vicente Nunes