Os riscos do protecionismo populista

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O Palácio do Planalto pediu e o Ministério das Relações Exteriores está mapeando quais os impactos da possível política comercial de Donald Trump sobre o Brasil. Há, no entorno do presidente Michel Temer, um certo incômodo em relação às medidas que devem ser adotadas pelo futuro comandante dos Estados Unidos, mas também um sentimento de que o país pode se beneficiar do que os especialistas vêm chamando de “protecionismo populista”.

Na visão dessa ala mais otimista do governo, ao declarar uma guerra comercial a seus principais parceiros — União Europeia, China e Japão —, os EUA podem abrir espaço para que países como o Brasil ocupem espaços que venham a ser deixados pelos norte-americanos, que tenderão a sofrer os mesmos tipos de sanções que Trump impuser a produtos importados dessas regiões. “Temos capacidade de suprir o vácuo deixado pelos EUA em vários mercados”, diz um assessor de Temer.

A recomendação do Planalto, no entanto, é para tratar esse tema com cautela. “Qualquer declaração fora do contexto pode provocar problemas. Não podemos esquecer que estamos diante de um governo imprevisível. Às vésperas de tomar posse, Trump continua sendo uma grande incógnita”, destaca um diplomata envolvido com o tema. “Nossa relação com os Estados Unidos é bem tranquila. Não creio que estejamos na linha de tiro do futuro governo da maior economia do planeta”, assinala. De qualquer forma, ressalta ele, é preciso muito cuidado nessa seara.

O diplomata conta que a preocupação do governo de não provocar cizânia com os Estados Unidos levou Temer a evitar um encontro com a então candidata democrata à presidência da daquele país, Hillary Clinton, na reta final da campanha. O presidente brasileiro estava em Nova York no mesmo dia em que Hillary participava de um evento na cidade. Havia um desejo de Temer de conversar com a democrata, que aparecia na liderança de todas as pesquisas. Seus assessores chegaram a contatar a equipe da norte-americana. Mas o brasileiro recuou, temendo gerar algum tipo de constrangimento com Trump.

“Hoje, agradecemos o fato de o encontro com Hillary não ter ocorrido. O Brasil ficou numa posição neutra”, ressalta o diplomata. A perspectiva é que Temer fale com Trump logo após a posse. Será apenas uma conversa cordial, mas ressaltando as boas relações que o país e os EUA sempre mantiveram. Os norte-americanos disputam com os chineses o topo do ranking dos maiores parceiros comerciais do Brasil.

Retrocesso

Apesar de toda a cautela em relação a Trump, o governo brasileiro não esconde o temor de um retrocesso nas relações comerciais mundo afora, sobretudo se a onda conservadora que elegeu Trump se espalhar pela Europa. Uma possível eleição de Marine Le Pen, candidata da extrema-direita para a presidência da França, resultará em uma União Europeia mais refratária, com imposições de barreiras a produtos estrangeiros. O argumento será o mesmo usado pelo norte-americano: a necessidade de criação de empregos locais.

“Da França, a onda extremista se espalharia por outros países, provocando um retrocesso enorme na globalização que permitiu um forte avanço da classe média em todo o planeta. O problema é que há visões distorcidas sobre esses ganhos”, afirma o assessor de Temer. A classe média dos países mais ricos acredita que foi a grande perdedora nesse processo. Viu a renda encolher e o desemprego aumentar. Em compensação, a classe média dos países emergentes mais que duplicou. Ou seja, é o movimento dos perdedores que vem estimulando o conservadorismo que dá base ao protecionismo populista.

O entendimento do Planalto é que o mundo corre o risco de ver algo parecido com o que ocorreu após a Primeira Guerra Mundial, quando a Europa enfraquecida permitiu a proliferação de movimentos populistas. “Não há nenhum exagero nisso. Os riscos estão aí. Há potências, como os EUA, falando em construir muros nas fronteiras, em expulsão de imigrantes e em imposição de pesadas barreiras comerciais. É um movimento assustador”, frisa o mesmo assessor palaciano. Resta saber, na avaliação dele, o que é discurso de campanha e o que é realidade. É essa dúvida que deixa todos sobressaltados.

Brasília, 07h30min

Vicente Nunes